Parlamentar critica discurso das empresas de que regulação proposta pelo PL das Fake News vai acabar com liberdade e diz que enfrentamento a plataformas é missão conjunta

Porto Velho, RO -
As big techs estão jogando muito mais pesado no Brasil do que na União Europeia, onde havia um consenso entre legisladores e na sociedade sobre a necessidade da regulamentação. E, desde que se iniciou a discussão por lá, não houve qualquer ameaça à liberdade de expressão, muito pelo contrário. As afirmações são de Anna Cavazzini, presidente do comitê de Proteção do Consumidor e Mercado Interno, palco inicial do debate no Parlamento Europeu.

A eurodeputada fez parte de uma delegação da UE que se reuniu semana passada em Brasília com, entre outros, ministros de Estado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Fake News. Liderança do Partido Verde na Alemanha e vice-presidente da delegação União Europeia-Brasil no legislativo europeu, ela dedicou sua agenda no país ao tema.

Como foram as conversas no Congresso?

Fizemos questão de enfatizar nossa impressão positiva sobre o projeto que está sendo discutido no Congresso. No meu encontro com o deputado Orlando Silva, tratamos das experiências similares dos projetos da UE e do Brasil pensados para se eliminar e punir o discurso de ódio e as fake news propagadas nas plataformas. E também nas semelhanças do debate que travamos na esfera pública, lá e aqui.

O lobby das plataformas está sendo mais forte no Brasil?

Sem dúvida, aqui foi bem maior. Na UE, elas não se opuseram à legislação como princípio. Creio que elas identificaram o consenso, tanto entre os eurodeputados quanto na própria sociedade, de que a legislação era necessária. E focaram tópicos específicos. Por exemplo, nós, Verdes, advogamos pelo fim da propaganda nas redes sociais, centrais na lógica de disseminação do discurso de ódio. 

As plataformas reagiram com uma campanha maciça e conseguiram uma vitória parcial — o projeto só proíbe propaganda relacionada a conteúdos sensíveis para menores de idade. Elas também se opuseram à pressão por transparência nos algoritmos que usam para amplificar audiência. Conseguimos avançar apenas com a obrigação da apresentação de pesquisas sobre o tema.

O que o Brasil pode aprender com a experiência da UE?

No enfrentamento do lobby das plataformas. Conosco, elas também argumentaram inicialmente que a regulamentação iria acabar com a liberdade digital, que as big techs iriam à falência, que a internet não seria mais livre. Uma lição que se pode tirar da experiência europeia é que essa discussão está completamente saturada. 

Que se tratam de inverdades. Outra é a de que no esboço enviado ao Parlamento Europeu pela presidência da UE não há qualquer ameaça à liberdade de expressão. Pelo contrário. A nova legislação foi construída pelo compromisso em preservá-la, ampliá-la inclusive, ao criar mecanismos que impedem a disseminação de discurso de ódio e fake news.

Qual sua opinião sobre a criação de órgão federal para assegurar o cumprimento de legislação sobre fake news?

Quem deve definir o que se pode ou não escrever, falar, propagar nas redes, é a legislação vigente, com suas penalidades previstas. E não tenho dúvida da necessidade de uma estrutura pública, responsável por apontar o que é abuso nas plataformas. Claro, não se pode criar uma autoridade censora ou algo similar, mas tudo depende do desenho. Na Europa, estamos discutindo, dentro de nossas características específicas, maneiras de centralizar a regulamentação das plataformas.

Desde que se iniciou o debate, a senhora identificou algum cerceamento à liberdade de expressão na UE?

Pelo contrário. Claro, as plataformas podem argumentar que nosso modelo ainda não foi completamente implementado. Mas a liberdade de expressão dos cidadãos europeus está sendo ameaçada, por exemplo, pelo Twitter, desde que Elon Musk comprou a plataforma, ao demitir moderadores de conteúdo e, consequentemente, detectarmos a propagação de antissemitismo. 

Trata-se justamente do oposto: a regulamentação bem feita é o que garantirá a liberdade de expressão e melhorará a qualidade do debate digital.

O próximo passo da UE nesse sentido é a regulamentação da Inteligência Artificial?

Sim. Na semana passada, votamos o esboço de uma legislação específica para a IA. Nas conversas que tivemos aqui no Brasil, fiquei feliz em saber que lideranças políticas pensam na mesma linha. 

Na UE, a velocidade da explosão do ChatGPT fez com que até a direita, ciosa de possíveis empecilhos para a inovação e o mercado, concordasse em avançar na regulamentação da IA, a partir da certeza do quão fundamental é se garantir o aspecto democrático dessas ferramentas, de que elas também tenham de seguir princípios acordados por todos. E já estamos tratando também da tecnologia de reconhecimento facial, com ênfase na proteção dos direitos dos indivíduos.


Fonte: O GLOBO