Entidades veem risco de nova legislação ser usada para coibir protestos e manifestações públicas; líder do PT liberou a bancada

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou projeto que altera a lei antiterrorismo e que amplia o rol de condutas que podem ser enquadradas nessa categoria no país. O texto foi aprovado em caráter terminativo, ou seja, não vai para o plenário do Senado, mas segue agora para a Câmara. A versão aprovada é a do relatório do senador Jorge Kajuru (PSB-GO).

O projeto, criticado por organizações como Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e delegados da Polícia Federal, foi aprovado após receber o apoio público do ministro da Justiça, Flavio Dino, em audiência nesta terça-feira:

— Nós temos uma posição convergente ao parecer do senador Kajuru. Essa é a posição do Ministério da Justiça em relação ao texto dele — disse Dino.

Segundo senadores ouvidos pelo GLOBO, a fala do ministro, provocou uma saia justa no governo, que inicialmente estava contra o projeto e tentava barrar seu andamento. Com isso, durante a votação, o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, liberou a bancada.

Delegados da Polícia Federal afirmam que o texto acabará por permitir o enquadramento de inúmeros crimes comuns como atos terroristas, sobrecarregando a corporação.

Já organizações de direitos humanos criticam um trecho que trata sobre a restrição da circulação e abre a possibilidade de enquadrar ações do MST, por exemplo, como terrorismo.

—É um mecanismo que rapidamente nos refere ao exercício do direito de protesto e a manifestações públicas— afirma Raisa Cetra, diretora executiva do Artigo 19.

Entre outras medidas, o texto prevê que serão punidas com pena de 12 a 30 anos de prisão condutas praticadas em nome ou em favor de organizações que, entre outras: criam obstáculos ou limites à livre circulação de pessoas, bens e serviços.

Kajuru alterou essa parte do texto incluindo que o bloqueio será criminalizado caso seja “para exercer poder paralelo”.

Há uma ressalva a esse artigo no texto dizendo que a previsão não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, entre outros, com propósitos, como, defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

O parlamentar também retirou do texto um trecho que tratava qualquer “distúrbio civil” como “ato terrorista”.

Para o líder do PT no Senado, senador Fabiano Contarato (PT-ES), as mudanças feitas pelo Kajuru foram suficientes para não atingir os movimentos sociais. Kajuru concorda.

—Eu respeito movimentos sociais, mas tem limites. Eles estão radicais, porque o próprio governo aprovou meu texto. O que eu tinha de mudar para agradar parte dos movimentos sociais, eu mudei. O governo concordou com as minhas poucas mudanças e aprovou 100%— disse Kajuru.

O texto original é de autoria do senador Styvenson Valetim (Podemos-RN) e tratava apenas de endurecimento de penas para crimes como tráfico e organização criminosas. Ele foi apresentado na esteira de ataques de facções criminosas, no Rio Grande do Norte, estado do parlamentar.

Ao passar pela CCJ do Senado, contudo, passou a incluir o enquadramento de manifestações políticas no crime de terrorismo, o que levou parlamentares do PT a pedirem mais tempo para analisar a proposta.

Também para Leonardo Santana, da Rede Justiça Criminal, as alterações ao texto não foram suficientes para deixar de criminalizar os movimentos sociais.

— Os parlamentares argumentam que a salvaguarda presente na lei que exclui a sua incidência para os movimentos sociais será mantida, mas em plenário tudo pode mudar. Além disso, em toda reunião aparece de forma direta a intenção de uso da lei antiterror para criminalizar movimentos, como o MST — disse Santana.

O projeto prevê também prisão de cinco a dez anos para quem constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão, para o fim de cometer crime. A pena também prevê pagamento de R$ 2 mil a R$ 3 mil de multa por dia.


Fonte: O GLOBO