Objetivo é que a Corte se manifeste sobre a possibilidade de a concessionária desistir dos planos de devolver o aeroporto e se o Executivo pode flexibilizar a outorga

O governo quer o aval do Tribunal de Contas da União (TCU) para manter a concessão do Aeroporto Internacional Tom Jobim com a operadora RIOgaleão, controlada pelo grupo Changi, de Cingapura. A ideia é que a Corte se manifeste, em um prazo de 20 dias, sobre a possibilidade legal de a RIOgaleão desistir dos planos de devolver o terminal à União. Além disso, o governo busca saber se pode flexibilizar o cronograma de outorga para dar um alívio de caixa à operadora.

Segundo um integrante do governo, se o TCU aprovar, o governo pode reduzir à metade o valor da outorga anual de R$ 1,3 bilhão, a curto e médio prazos, e transferir o restante para o final do contrato, que vence em 2039. O prazo também poderia ser alongado. Mas esse modelo vai depender também da anuência da concessionária.

O assunto foi discutido na noite desta segunda-feira em reunião no Palácio do Planalto entre os ministros da Casa Civil, Rui Costa; de Portos e Aeroportos, Márcio França; e da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias; além de técnicos.

Embora autoridades fluminenses tenham feito apelos reiterados para que a União busque uma saída urgente para a crise do Galeão, a expectativa no governo é que uma eventual solução para o aeroporto só saia no fim do mês, quando a concessionária, controlada pela Changi, de Cingapura, deve decidir se mantém o contrato, além de pagar a outorga.

Preocupação com críticas

Durante a reunião, ficou acertado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai convidar o governador do Estado do Rio, Cláudio Castro, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, para uma conversa. Segundo auxiliares, Lula estaria incomodado com as críticas em relação à demora para contornar a crise e não quer ser “culpado” pelo problema, segundo um ministro.

De acordo com esse interlocutor, Lula quer deixar claro que o esvaziamento do Galeão e a superlotação do Santos Dumont se agravaram no governo Jair Bolsonaro.

Redução do Santos Dumont

Na próxima terça-feira, França vai se reunir com Castro e Paes. O governo e a prefeitura do Rio apresentaram uma proposta para aumentar o volume de passageiros no Galeão, enquanto o Santos Dumont opera lotado. Eles defendem a restrição dos destinos no terminal localizado no Centro carioca a São Paulo e Brasília. Os demais voos seriam transferidos para o aeroporto internacional.

Mas, segundo fontes, o plano do governo federal prevê reduzir o horário de funcionamento do terminal e os slots (autorizações para pouso e decolagem). A proposta em discussão é reduzir em 500 mil o número de usuários a cada semestre.

A redução seria feita até que o volume caísse para entre 8,5 milhões e 8 milhões de passageiros, com um monitoramento para verificar se há migração para o Galeão, e em qual medida. No mês passado, em evento do GLOBO, o prefeito do Rio defendeu que o Santos Dumont tivesse um limite de 6 milhões de passageiros.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) vai flexibilizar as regras de uso dos slots no Santos Dumont. Pela regra atual, as companhais podem perder slots em casos de falta de pontualidade e regularidade. Por outro lado, o governo federal quer contrapartida das autoridades do Rio, como redução do ICMS sobre o querosene de aviação para empresas que aumentem operações no Galeão.

Transporte de carga

Em audiência pública na Câmara, o presidente do Conselho Empresarial de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), Mauro Viegas Filho, pediu celeridade na solução para a operação conjunta dos aeroportos Galeão e Santos Dumont.

Segundo ele, levantamento da Firjan aponta que o PIB do Estado do Rio perde R$ 4,5 bilhões em razão da falta de conectividade entre voos nacionais e internacionais no terminal. A federação também ressaltou que o Rio perde transporte de cargas em razão do esvaziamento do aeroporto.

— O Galeão tem fundamental relevância para a indústria e economia do Rio e do país. Por isso, é urgente uma rápida solução, o mais breve possível. Diversas indústrias fluminenses, que competem em nível mundial e têm no frete aéreo suma importância, estão trazendo suas mercadorias para o Rio por via terrestre, a partir de aeroportos de outros estados. Ou seja, não ter volume de passageiros no Galeão é não ter volume de cargas no terminal — afirmou.

O presidente da RIOgaleão, Alexandre Monteiro, disse em audiência na Câmara que a concessionária está em dia com seus compromissos financeiros e contratuais. Ele lembrou que a operadora investiu R$ 2 bilhões para preparar o aeroporto para os Jogos Olímpicos de 2016.

Presidente da RIOGaleão culpa crise e pandemia

Monteiro defendeu o reequilíbrio econômico-financeiro da concessão, com o argumento de que a pandemia foi um evento de força maior. No ano passado, o aeroporto recebeu 5,7 milhões.

Ele atribuiu a queda no movimento à crise na economia brasileira em 2016 e 2107 e, posteriormente, à pandemia.

— Com a chegada do novo governo, abriu-se um espaço de discussão, de talvez outras saídas em relação ao futuro do aeroporto, se relicita ou não — disse Monteiro.

Anac diz que situação é grave

O presidente da Anac, Tiago Pereira, disse que a situação da concessionária é “muito grave”, mas que o pedido de reequilíbrio do contrato não tem respaldo jurídico.

-- O problema financeiro da concessão do Galeão é muito grave. A gente tem uma outorga de R$ 1,3 bilhão que precisa ser paga -- disse.

Pereira mencionou que a Anac já vem atendendo pedidos das operadoras de reequilíbrio-econômico dos contratos, mas no curto prazo, inclusive para o Galeão, que já recebeu R$ 600 milhões. O reequilíbrio econômico de longo prazo é juridicamente inconsistente porque não é possível pagar agora danos que ainda não se concretizaram, explicou.

-- Mesmo com o reequilíbrio (de curto prazo), isso não é suficiente para a concessionária fazer jus - afirmou Pereira.

Presente na audiência, o secretário de Aviação Civil (SAC), ligada ao Ministério de Portos e Aeroportos, Juliano Noman, lembrou que o principal problema da concessionária é o lance elevado ofertado pela Cingapura, sócio da RIOgaleão, quando o aeroporto foi leiloado em 2013.

Com lance mínimo de R$ 4,8 bilhões, o aeroporto foi arrematado por R$ 19 bilhões na ocasião. A oferta superou o segundo colocado em R$ 4,5 bilhões. Isso resultou na outorga anual de R$ 1,3 bilhão.

-- O Galeão nunca conseguiu gerar receita suficiente para garantir a outorga, para cumprir com o compromisso assumido no leilão -- disse Noman.


Fonte: O GLOBO