Medida do governo prevê redução no preço em até 10,96% de veículos que custam até R$ 120 mil. Impacto não deve ser suficiente para aumento da produção, dizem especialistas

A medida do governo que pretende reduzir impostos para provocar uma queda de até 10,96% no preço dos carros populares, que custam hoje até R$ 120 mil, não terá impacto significativo nas vendas do setor, que acumula alta nos custos da ordem de 50% desde o início da pandemia.

De acordo com Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos na Fundação Getulio Vargas (FGV), a medida pode se reverter em uma alta nas vendas de algo entre 100 mil e 150 mil unidades por ano, números que ele considera baixos frente ao total hoje do mercado, na casa dos 2 milhões de veículos por ano. Hoje, o carro mais barato do país custa pouco menos de R$ 70 mil.

A Anfavea, que reúne as montadoras, estimou um incremento de até 300 mil carros vendidos por ano. Antes das medidas, a previsão da Anfavea era vender pouco mais 2 milhões de unidades este ano.

-- Desde 2020, a alta nos custos dos carros subiu cerca de 50% por conta do avanço do dólar e das matérias-primas. Essa redução no preço agora, via corte de impostos, não vai levar as montadoras a aumentar a produção dos modelos -- explica Martins, lembrando que o Brasil já chegou a produzir 4 milhões de unidades no ano.

'Redução de imposto é paliativo'

O especialista ressalta ainda que as montadoras foram afetadas com a falta de chips nos últimos anos, pressionando ainda mais seus custos. Ao mesmo tempo, a inflação global e a recessão provocada pela pandemia reduziram a demanda. As fabricantes então passaram a focar sua produção em modelos mais rentáveis, que são os mais caros.

-- Por isso, vamos ver pouca mudança na concessionária. Ou seja, nem todas terão para pronta-entrega dos modelos mais baratos -- explicou. -- O ideal para estimular a demanda da população é investir no aumento da renda através do investimento em educação e melhoria do ambiente e econômico. Só a redução de imposto é algo paliativo.

Objetivo é manutenção de empregos

João Nobrega, advogado tributarista e sócio do escritório Graça Couto Advogados, diz que a redução no preço esbarra em outros fatores importantes, como o poder aquisitivo efetivo da população e o nível de endividamento do consumidor.

-- O que me parece ser o real objetivo dessa medida é o incentivo à indústria automotiva, que passou recentemente por uma série de dificuldades, por meio de uma redução de custos. É importante entender esse estímulo, que pode estar mais voltado à manutenção de empregos do que ao acesso ao automóvel -- afirma Nobrega.

Para o especialista, se a questão central fosse o acesso ao transporte, o incentivo a outras iniciativas talvez fosse mais interessante:

-- Um ponto interessante foi a declaração de que haverá uma concessão maior de benefícios para a adoção de novas tecnologias, mais sustentáveis, na produção de carros. Se isso fomentar uma mudança qualitativa no setor, com foco na adoção de uma matriz mais sustentável, será muito positivo. Precisamos ver se, na prática, isso vai ocorrer.

O consultor João Fernandes Prestes ponderou a questão ambiental. Ele destacou que é preciso esperar a definição das tabelas de emissão de gás carbônico para a atribuição dos descontos tributários. Ele destacou que nem sempre os carros mais baratos são os que contêm maior volume de tecnologia, como menor emissão de gases poluentes.

-- Embora haja padrões de emissão de gases poluentes das indústrias nos países, o tema é sempre complexo, pois os modelos mais caros contam mais investimentos e motores mais eficientes. O governo deveria ter aumentado os incentivos aos carros elétricos -- destacou Prestes.

Prestes também avaliou que a redução do preço anunciada pelo governo não é tão relevante para impulsionar as vendas:

-- Você pode antecipar alguns negócios entre quem estava pensando em comprar ou trocar de carro, mas não deve conquistar novos consumidores de forma relevante, até porque os juros ainda são um entrave para a compra financiada.

Sem intermediação de concessionárias


Uma das ideias do governo para reduzir o preço dos automóveis é autorizar as montadoras a vender carros diretamente para pessoas físicas, saltando a intermediação das concessionárias. Martins diz que isso pode resultar em redução de preço, dependendo das margens de lucro que hoje são praticadas por elas. No entanto, ele observa que isso implica em modificar legislação:

-- Você tira a concessionária e a sua comissão nesse processo de venda. Hoje, por lei, um carro só pode ser vendido através de uma concessionária. Isso é importante, pois vamos ver quais são as margens das concessionárias.


Fonte: O GLOBO