Novo teto vale a partir de hoje e assegura que quem ganha até R$ 2.640 não pague IR. Rendimento no exterior será tributado para equilibrar finanças públicas. Até 2026, quem recebe R$ 5 mil será isento

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, na véspera do Dia do Trabalhador, que a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) aumentará gradativamente ano a ano até chegar a R$ 5 mil no fim de seu mandato, que acaba em 2026.

O primeiro passo foi dado ainda ontem: o governo publicou uma a medida provisória prevendo a ampliação da faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 2.640 e incluiu nela a tributação de rendimentos recebidos no exterior por meio de aplicações financeiras, entidades controladas e os chamados trusts — fundos usados para administrar quantias de terceiros.

Segundo o texto, haverá duas faixas de cobrança: de 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6 mil e não ultrapassar R$ 50 mil; e de 22,5% para rendimentos acima de R$ 50 mil. Valores abaixo de R$ 6 mil não serão tributados.

O GLOBO apurou que a intenção do governo com a medida é arrecadar R$ 3,2 bilhões apenas neste ano, o que cobriria o impacto do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda.

O aumento da isenção do IR é uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida vai beneficiar trabalhadores, mas também levará o governo a abrir mão de arrecadação num momento em que tenta equilibrar as contas públicas.

A meta do novo arcabouço fiscal, que ainda não foi aprovado no Congresso, é zerar o déficit primário (diferença entre despesas e receitas, sem contar pagamento de juros) no ano que vem. Lula também confirmou ontem que o salário mínimo vai subir de R$ 1.302 para R$ 1.320 a partir de maio.

O primeiro passo para elevar a faixa de isenção de IR será dado neste mês, com o aumento do teto para R$ 2.112. Quem ganha até R$ 2.640 por mês também deixará de pagar porque será aplicado um desconto automático de R$ 528 sobre o imposto que deveria ser quitado pelo empregado. Esse desconto é resultado da chamada declaração simplificada do IR.

Na prática, quem ganha até R$ 2.640 — equivalente a dois salários mínimos a partir de maio — não precisará fazer nada para ser contemplado. No contracheque do trabalhador, o efeito será imediato. Para fins de declaração do IR, vale a partir do ano que vem. Atualmente, o teto de isenção está em R$ 1.908,98, patamar que estava congelado desde 2015.

Com a medida, 13,7 milhões de contribuintes deixarão de pagar IR a partir deste mês, equivalente a 42% dos declarantes de 2022. Isso vai custar R$ 3,2 bilhões aos cofres públicos neste ano segundo a Ministério da Fazenda. É essa despesa que o governo quer compensar com a tributação dos trusts.

Benefício para todos

O benefício terá mais impacto nos trabalhadores de menor renda. Para quem tem salário mais alto, desconto simplificado de R$ 528 não valerá a pena, à medida que este contribuinte já conta com deduções maiores. 

Mas, mesmo assim, todos os declarantes são beneficiados pelo aumento da faixa de isenção. Como a tabela é progressiva, independentemente do valor total do rendimento, todos deixam de pagar sobre a faixa até R$ 2.112.

— A partir de agora, o valor até R$ 2.640 por mês não pagará mais nem um centavo de imposto de renda. E, até o final do meu mandato, a isenção valerá para até R$ 5 mil reais por mês — disse Lula no pronunciamento.

Como o aumento das faixas de isenção até o teto de R$ 5 mil será gradual e o governo ainda não esclareceu como esse avanço vai ocorrer, especialistas têm diferentes estimativas sobre o impacto da medida anunciada ontem para as contas públicas.

Caso a isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais saísse agora, com base em valores atuais, a queda em arrecadação seria de R$ 106 bilhões ao ano, explica Margarida Gutierrez, professora da UFRJ e da Coppead.

Já simulação feita pelo economista Tiago Sbardelotto, da XP, aponta que a isenção do IR para pessoas que ganham até R$ 5 mil, feita de forma gradual, pode causar perdas de arrecadação de R$ 423 bilhões ao governo até 2026. Relatório de Sbardelotto aponta, porém, que a medida só seria viável com mudanças estruturais na tributação da renda.

Os especialistas alertam que, diante do desafio fiscal do atual governo e das metas de alcançar o s uperávit fiscal já a partir de 2025, como consta na proposta do novo arcabouço fiscal, ampliar a isenção do IR traz riscos.

— O governo já está tentando medidas compensatórias ao aumento de gastos ocorrendo. A isenção do IR para até R$ 2.640 está incluída nisso. E acima disso? Já há dificuldade para ampliar receita. O governo precisa de R$ 150 bilhões a mais em arrecadação em 2024, ou 1,5% do PIB — destaca Margarida.

Impacto nas contas

A economista lembra que também pesa na conta o aumento do salário mínimo. Lula confirmou ontem que ele passa, a partir de hoje, de R$ 1.302 para R$ 1.320, destacando ser a maior valorização do mínimo dos últimos seis anos, período em que não teve correção acima da inflação.

— Recompor as conquistas perdidas pelos trabalhadores e trabalhadoras é prioridade do nosso governo. A começar pela valorização do salário mínimo, que há seis anos não tinha aumento real, e vinha perdendo poder de compra dia após dia. Mas já estamos começando a reverter essa perda — afirmou o presidente, que vai enviar nos próximos dias um projeto de lei com uma nova política de valorização do salário mínimo.

O impacto do aumento do mínimo se dá porque muitos gastos públicos são atrelados a ele.

— A cada R$ 1 a mais no salário mínimo, os gastos públicos crescem em R$ 360 milhões porque 70% das despesas primárias são atreladas ao salário mínimo. O projeto do novo arcabouço não obriga o respeito à meta proposta. Se não cumprir o previsto, não tem penalidade. Aí é que mora o perigo. Pode ter um desequilíbrio fiscal, o que impacta em inflação, taxa de juros, atividade econômica — afirma Margarida.

O economista da Warren Rena, Josué Pellegrini, avalia que a isenção de IR de salários até R$ 5 mil vai na contramão do que propõe o arcabouço fiscal.

— Isentar quem ganha até R$ 2.640 é uma medida importante porque pega quem ganha até dois salários. Mas além dessa faixa é difícil diante do déficit que já temos — avalia o economista.

De 1996 ao fim de 2022, a defasagem na correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física alcança 148,10%, segundo levantamento feito em janeiro pelo Sindicato Nacional de Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional).

A questão é a correção abaixo do índice oficial da inflação. Na prática, isso faz com que o contribuinte pague mais imposto do que pagou no ano anterior.

Essa defasagem vem avançando, sobretudo nos últimos anos, alerta o Sindifisco. Entre 2018 e 2022, na gestão de Jair Bolsonaro, acumulou 26,25%, a maior defasagem já registrada em um clico de governo.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Nacional) mostra que uma correção integral da tabela — em todas as faixas — considerando a inflação pediria um reajuste de 153,29%, considerando o período até março deste ano.

Pelos cálculos da Unafisco, esse reajuste traria faixa de isenção até R$ 4.822,64. Com isso, o número de isentos saltaria de 8,84 milhões para 29,7 milhões. E a arrecadação teria uma queda de R$ 240 bilhões ao ano.

Mauro Silva, presidente da Unafisco, avalia que o anúncio de ontem, confirmando a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 2.640 é pequeno, mas terá efeito:

— O efeito do que foi anunciado para a classe média é pequeno. Mas são R$ 6,68 bilhões a mais para consumo na economia, considerando os R$ 15,60 que deixam de ser pagos em IR. E o consumo representa 65% do PIB, então dá um empurrãozinho.


Fonte: O GLOBO