Colegiado reúne parlamentares que mantêm relação estreita com o movimento e outros ligados a grandes produtores do agro, universos que vivem em permanente tensão

A escalação de nomes para a CPI do MST na Câmara coloca em lados opostos produtores assentados, com atuação de militância pela reforma agrária, e defensores do empresariado agrícola. O colegiado pretende investigar supostas irregularidades associadas à atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e os possíveis financiadores de invasões a terras produtivas pelo Brasil.

Responsável pela indicação dos principais postos da CPI, os opositores do governo contarão com Evair de Melo (PP-ES) como membro titular. Ele é um defensor do setor cafeeiro e membro da bancada ruralista. Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro e entusiasta dos direitos dos produtores rurais, foi designado relator.

Outro membro titular pelo PL, de Bolsonaro, Gustavo Gayer (GO) milita pela concessão de linhas de crédito aos produtores rurais, enquanto Marcos Pollon (MS) atuou na Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB do seu estado. Rodolfo Nogueira (MS), por sua vez, se candidatou sob o slogan de ser "a voz do agro na Câmara".

Os governistas também escalaram nomes com histórico de atuação no setor: Dionilso Marcon (RS) é agricultor assentado pela reforma agrária. Ele iniciou a sua trajetória política em 1987, como membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, esteve acampado por quatro anos, fez parte da direção do MST e foi assentado em 1994. Valmir Assunção (BA), por sua vez, participou das primeiras ocupações do MST na Bahia, contribuindo no trabalho de base e organização das famílias.

Em sua descrição no Twitter, João Daniel (SE) se define como "um militante do MST". Camila Jara (MS) comemorou a sua vitória nas últimas eleições na secretaria do MST-MS, onde fez questão de reafirmar seu compromisso com os movimentos sociais.

CPI inicia com embate

A nomeação de Salles foi alvo de protestos de governistas. Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirmou que o ex-ministro deveria ser declarado suspeito, já que é investigado por crimes relacionados ao meio ambiente e mantém estreito contato com empresários que atuam contra o MST.

— Quem são os financiadores de campanha de Ricardo Salles? Qual foi a defesa dele nos últimos anos, contra o MST? Ele responde por crimes contra o meio ambiente e precisa estar longe deste colegiado — afirmou a parlamentar.

O pedido de impedimento do ex-ministro de Bolsonaro foi negado pelo presidente do colegiado, Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-MS). Durante todo o tempo em que foi acusado pela governista, Salles se manteve sorrindo. Em seu pronunciamento, o ex-ministro disse que a análise sobre os fatos será "técnica".

— Será um trabalho técnico, objetivo e com imparcialidade. Esperamos contar com a ajuda daqueles que são favoráveis à reforma agrária. Daremos o máximo espaço para o diálogo e pretendemos esclarecer a verdade por trás da discussão sobre a invasão de propriedades.

Na sequência, o deputado Éder Mauro pediu o direito de fala e definiu a atuação do MST como "criminosa".

— MST é organização criminosa que age com suborno, invasões e ataques. Os financiadores dessa turma precisam ser investigados.

Sâmia, mesmo sem ter o microfone aberto, retrucou:

— O senhor defende a tortura e vem falar mal de movimento social? — questionou, em relação uma investigação envolvendo Éder Mauro por suposto crime de tortura. Entretanto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a acusação.

De acordo com a ação penal, o delegado teria permitido que agentes sob sua liderança cometessem excessos de violência física e mental contra um suspeito de tráfico de drogas e sua família.

Dor de cabeça para governistas

Desde que foi anunciada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a CPI do MST virou alvo de preocupação do governo e de parlamentares petistas. O temor de desgaste que a comissão pode trazer cresceu com o comando nas mãos de Salles e Zucco.

As invasões promovidas pelo MST durante o abril vermelho, o que incluiu uma área da Embrapa em Pernambuco, provocaram descontentamento no Palácio do Planalto. O receio principal é que o relator crie uma narrativa para criminalizar o movimento. As ocupações promovidas pelo MST neste início de ano têm gerado mobilização negativa contra o governo Lula nas redes sociais.

Em outra frente, os sem-terra tentaram recorrer à Justiça para barrar a CPI com a alegação de falta de objeto específico. O argumento foi de que o requerimento pede a investigação do movimento em si, e não de uma ação específica praticada.


Fonte: O GLOBO