Cientistas alertam governo que fenômeno merece atenção para ser combatido; preocupação agora é com as consequências devastadoras do El Niño na mata degradada

O desmatamento é a parte mais visível da destruição da Amazônia. Mas a floresta também é comida pelas entranhas e as beiradas. A degradação — basicamente a redução de função ecológica e o aumento da vulnerabilidade da mata sobrevivente do fogo e do abate — atinge 38% da floresta. 

A área desmatada chega a 20%. É uma mata que perdeu a força e que, sem medidas de prevenção, será presa fácil para o El Niño que se aproxima, com consequências potencialmente devastadoras para o bioma e as mudanças climáticas.

Um novo ranking mostra os municípios com mais áreas de floresta degradadas. E revela que muitos desses municípios não estão entre os maiores desmatadores, o que indica a necessidade de medidas específicas contra a degradação.

O ranking e o alerta fazem parte de um documento de cientistas de 16 instituições entregue ao governo federal. O documento propõe incluir a degradação no Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento da Amazônia, o PPCDAm. Com a possibilidade de 75% de formação de um El Niño em junho, a medida é considerada urgente.

— Não basta combater o desmatamento, é preciso impedir que a floresta continue a ser degradada — afirma a ecóloga das universidades de Oxford e Lancaster Erika Berenguer, uma das autoras do documento.

Uma floresta degradada tem menor capacidade de regulação do clima, produção de água e suporte de diversidade biológica. Bombeia um terço a menos de água para atmosfera. E emite o mesmo ou até mais CO2 que uma área desmatada do mesmo tamanho.

As áreas degradadas têm solo com muito mais material inflamável acumulado, galhos e folhas de árvores mortas. Também são mais quentes e secas, com vastas clareiras.

Muitas dessas áreas são abertas pela exploração de madeira ilegal. As clareiras permitem que mais luz penetre no solo, ajude a secar o material orgânico e transforme o chão da floresta em combustível.

Os autores do documento fizeram um ranking dos municípios com mais áreas degradadas. Campeãs de desmatamento, como São Felix do Xingu e Altamira, no Pará, estão lá. Mas cidades que reduziram o desmatamento, a exemplo de Gaúcha do Norte (MT) e Cumaru do Norte (PA), são a segunda e a terceira no ranking, atrás de São Félix do Xingu.

El Niño

É quase certo que um El Niño se formará entre junho e agosto, com mais calor, seca e tempestades extremas. Na Amazônia, o fenômeno seca a floresta e agrava queimadas.

Um estudo de Berenguer e outros cientistas, publicado em 2021 quantificou a brutalidade do El Niño. A análise de florestas próximas a Santarém (PA) revelou que o El Niño de 2015 causou a morte de cerca de 2,5 bilhões de árvores, numa área que corresponde a 1,2% da Amazônia brasileira.

Se a copa da floresta amazônica intocada parece um céu estrelado, tamanha a variedade de árvores, a de uma mata degradada lembra o de um dia nublado. Uma massa homogênea, de poucas espécies, a maioria delas, anãs, se comparadas às gigantes da mata original.

Estudos indicam que são necessárias pelo menos três décadas para uma mata degradada começar a recuperar suas funções.


Fonte: O GLOBO