Desconhecimento de riscos e regras do mercado de moradores de municípios como Campina Grande, Florianópolis e Cabo Frio atraem criadores de esquemas financeiros milionários

O mais badalado camarote do São João de Campina Grande (PB), que recheou a festa paraibana de artistas e jogadores de futebol no ano passado, desapareceu da programação de 2023. Seus patronos, o casal Antonio Neto e Fabrícia Campos, donos da Braiscompany, estão foragidos desde fevereiro. 

De principais patrocinadores de uma das maiores festas juninas do país, transformaram-se em pivôs da ruína financeira da cidade, após um calote de R$ 1,5 bilhão com o aluguel de criptomoedas.

Os golpistas do bitcoin, pressionados pela sucessão de escândalos em grandes cidades brasileiras, migraram para o interior do país. Desde 2021, quando a operação Kriptos prendeu Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins, em Cabo Frio (RJ), cresce o número de pirâmides financeiras disfarçadas de operações com criptomoedas em municípios de médio e pequeno porte.

Editor do Portal do Bitcoin, o jornalista Cláudio Rabin explica que a migração é uma forma de fugir dos holofotes e de assediar um público desavisado. A população das cidades atingidas pelas fraudes mais recentes — Cabo Frio, Campina Grande e Florianópolis — oscila entre 230 mil e 500 mil habitantes.

A ação dos fraudadores é parecida. Embora os bitcoins sejam um dinheiro eletrônico inconstante, os golpistas oferecem sempre taxas de juros fixas, muito acima dos valores vigentes no mercado financeiro. 

Para atrair mais clientes e garantir o fluxo da pirâmide, fazem questão de pagar em dia. Por fim, ostentam uma vida milionária, muitas vezes atraindo personagens populares para o seu círculo de amizades.

— As pessoas querem acreditar no sonho sem conhecer os riscos envolvidos. Como aconteceu no passado com o Boi Gordo e a carne de avestruz, os golpistas ancoram as pirâmides a um ativo que ninguém conhece. 

A lógica é aliar a ganância com ignorância do cliente. Não no sentido pejorativo, mas do desconhecimento do tema — analisa o procurador da República Alexandre Senra, coordenador do grupo de Trabalho de Criptoativos da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF).

Foi assim com Glaidson Acácio dos Santos em Cabo Frio e com Antonio Neto em Campina Grande. Como principal patrocinador do São João da cidade paraibana, a Braiscompany chegou a criar uma criptomoeda, o “milhão”, apresentado aos frequentadores como salto tecnológico. Um token serviu de pagamento de serviços atrelados à festa, especialmente no Parque do Povo, epicentro do São João.

— Investir em bitcoins virou modismo por aqui. A Braiscompany era o carro-chefe da economia da cidade. No início, há quase cinco anos, o cliente precisava de certo volume de recursos para entrar no negócio. 

Depois a exigência caiu e bastava ter R$ 2 mil para virar investidor — lamenta Sidney Toledo, presidente da Associação Comercial de Campina Grande.

Segundo baque

Depois da queda de Antonio Neto, Campina Grande sofreu outro baque com a quebra da pirâmide da Fiji Tech Ltda, dissidência da Braiscompany criada por Bueno Aires José. A Fiji parou de pagar a clientela em fevereiro, deixando um rombo estimado pelo Ministério Público paraibano em R$ 339 milhões.

— Sempre fui contra esse tipo de investimento, mas a cidade acreditou. Tenho fé na capacidade de Campina Grande em se reinventar. Vamos dar a volta por cima — diz Sidney Toledo.

Em Florianópolis, a X Capital Bank, empresa suspeita de operar uma pirâmide financeira com criptomoedas, fechou repentinamente em março a sua sede, e não atende os clientes. O Ministério Público de Santa Catarina instaurou uma Notícia de Fato Criminal sobre o caso. 

No mês seguinte, mais um esquema de pirâmide, atribuído à a empresa RZ Consultoria, caiu na capital catarinense. A Polícia Civil local batizou o caso de “Operação Faraó”, fazendo ecos do caso da GAS, a pirâmide de Glaidson.

Cláudio Rabin conta que os criptogolpistas estão perdendo a força pelo aumento das taxas de juros, que levou os investidores de volta aos bancos tradicionais, e pela divulgação dos escândalos. Mas teme que, além da migração para o interior, os piramideiros mudem também a isca, investindo nas apostas esportivas.

Pobres também atingidos

Erros operacionais, invasão de hackers ou problemas com corretores internacionais de criptoativos são as alegações dos golpistas, quando alcançados pelas autoridades, para justificar os calotes. Recuperar o investimento parece difícil.

— Infelizmente, os escândalos levaram o mercado cripto a ficar em evidência de forma pejorativa. Minha luta hoje é combater esse tipo de atividade e conseguir justiça para os clientes lesados. A queda da GAS abriu os olhos do Judiciário e da Polícia Federal para esse tipo de atividade — afirma a advogada Larissa Gatto, que atua nos casos de GAS e da Braiscompany.

O procurador Senra acrescenta que o golpe não discrimina classe social.

— A população mais pobre é mais vulnerável. Os golpistas sempre citam os saltos extraordinários das criptomoedas. É fácil explicar as coisas olhando para o passado. Para o futuro, não tem bola de cristal. Não tem como prometer ganhos fixos em mercado de alto risco. 

Só se oferecessem algum tipo de garantia. Mas não adianta. As pessoas ainda acham que o golpista tem o caminho e o dono do banco não sabe nada do mercado.


Fonte: O GLOBO