Todos sairiam perdedores ao precisarem enterrar as vítimas e reconstruir suas cidades de escombros de ataques

Não é do interesse de ninguém uma guerra no Levante neste momento envolvendo israelenses, palestinos e libaneses. Todos sairiam perdedores ao precisarem enterrar as vítimas e reconstruir suas cidades de escombros de ataques. Toda vez que ocorre um aumento na tensão, como nestes dias, há o temor de ver os habitantes de Israel, Líbano, Gaza e Cisjordânia precisando fugir dos bombardeios que em nada alterarão o cenário geopolítico regional.

Para dar o contexto, como ocorre quase todos os anos, há instabilidade em Jerusalém na Esplanada das Mesquitas, conhecida como Monte do Templo pelos judeus, durante o Ramadã, como é chamado o mês sagrado para os muçulmanos. Atritos eclodem entre a polícia israelense, palestinos e extremistas judeus. O risco maior é de os confrontos se expandirem para a Cisjordânia e Faixa de Gaza, elevando a possibilidade de mais uma guerra entre Israel e Hamas.

Neste ano, houve uma diferença. Grupos palestinos lançaram foguetes em direção ao Norte de Israel a partir do Sul do Líbano, uma região com enorme influência do Hezbollah. O debate imediato passou a ser se o grupo xiita libanês teria envolvimento nos ataques. Caso prevalecesse esta narrativa, aumentaria a probabilidade de uma guerra de uma dimensão muito maior do que as em Gaza. Afinal, a organização libanesa, apoiada pelo Irã, é incomparavelmente mais poderosa do que os grupos palestinos.

Desde o início, Israel evitou acusar o Hezbollah, insistindo que o Hamas, uma organização palestina de viés sunita, teria sido responsável. O grupo libanês, ao mesmo tempo, tentou se distanciar dos lançamentos. Basicamente, os dois lados, decidiram seguir as regras do jogo vigentes desde 2006, quando ocorreu a última guerra entre eles no Líbano, já que ambos não possuem interesse em um confronto neste momento.

Benjamin Netanyahu enfrenta uma enorme instabilidade política em Israel diante da oposição às suas reformas no Judiciário para enfraquecer a Suprema Corte. Tem experiência suficiente para saber que, em uma guerra total, o Hezbollah conseguirá lançar milhares de mísseis em direção ao território israelense. 

Centenas ou mesmo milhares de civis podem morrer. Tel Aviv e Haifa, duas das principais cidades do país, poderiam ser alvos dos ataques. Não se trata de um conflito comum contra os foguetes do Hamas em Gaza. A capacidade militar do Hezbollah, mais poderosa milícia do planeta, é muito, mas muito superior à do grupo palestino.

Já o Hezbollah, neste momento, está focado em tentar emplacar um aliado como presidente do Líbano. Dias atrás, a França indicou que aprova o nome de Suleiman Frangieh, apoiado pelo grupo, para ocupar a Presidência, que no Líbano é um cargo destinado aos cristãos maronitas, uma religião de rito siríaco em comunhão com o Vaticano e majoritária no Líbano.

É uma vitória parcial do grupo. O nome de Frangieh, neto de um ex-presidente e próximo à Síria, sofre resistência dos dois principais partidos cristãos do Líbano e também da Arábia Saudita, embora Riad esteja um pouco mais flexível caso tenha um aliado no cargo de premier. Mas este é tema para outro artigo. Basicamente, para a organização libanesa, o foco está em se fortalecer internamente no Líbano.

O grupo também sabe que desfruta de pouquíssima popularidade fora dos setores xiitas da sociedade libanesa. Sunitas, em sua maioria, possuem aversão ao Hezbollah. Nos últimos tempos, a imagem do grupo xiita também se deteriorou bastante entre cristãos e drusos. Para completar, uma guerra contra Israel no Líbano, que passa por um colapso econômico associado a uma crise política, teria impacto catastrófico para o país dos cedros. Sem falar no risco de uma nova guerra civil, já que muitos libaneses culpariam os refugiados palestinos em caso de bombardeios israelenses.

Neste sentido, Israel e Hezbollah tentam evitar uma escalada. O problema é que, mesmo com ambos querendo evitar um conflito, o risco de uma confrontação militar persiste em um cenário de instabilidade. Agora, temos de torcer para que volte à estabilidade, ainda que precária, na fronteira entre os dois países. Uma guerra seria fatal para o Líbano e talvez a mais ameaçadora da história de Israel. Não haveria vencedores e afetaria também o acordo nas bacias de gás no Mediterrâneo.

O mais provável deve ser mesmo a intensificação dos enfrentamentos entre israelenses e palestinos. Uma Terceira Intifada na Cisjordânia e uma guerra em Gaza, infelizmente, parecem inevitáveis. Ainda assim, este conflito não teria os efeitos destrutivos de uma guerra entre israelenses e o Hezbollah.


Fonte: O GLOBO