O dólar vem perdendo força globalmente também por haver uma chance de ele não ser mais a principal moeda do mercado

O dólar comercial teve queda de 1,29% ontem, fechando a R$ 4,9421. Desde junho do ano passado a divisa não ficava abaixo dos R$ 5. E analistas esperam que essa trajetória se mantenha. Já o Ibovespa avançou 0,64%, aos 106.889 pontos, com alta dos papéis das varejistas.

A inflação americana recuou para 5% em março, frente a 6% no mês anterior. As projeções de analistas apontavam avanço de 5,2%. A desaceleração dos preços aumenta a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) interrompa o ciclo de alta dos juros.

Segundo João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research, o dólar vem perdendo força globalmente também por haver uma chance de ele não ser mais a principal moeda do mercado:

— Há rumores de que Brasil e China podem anunciar uma parceria para não usar mais dólar como moeda principal para transações, o que pode diminuir ainda mais o peso dele.

Tonello estima que o dólar pode recuar a R$ 4,75.

Secretário do Tesouro comemora

O novo plano fiscal do Brasil ajudou a aumentar a confiança dos investidores na maior economia da América Latina, levando a uma maior demanda por títulos locais, além de ganhos cambiais, de acordo com o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.

O real está mais forte entre os principais mercados emergentes apesar da perspectiva de taxas de juros mais baixas no país. A proposta do governo de fortalecer as finanças públicas é responsável por isso, disse Ceron em entrevista em seu gabinete em Brasília.

“Havia muita insegurança sobre o que aconteceria com a política fiscal. Essas dúvidas foram dissipadas e agora há uma maior aceitação da nova regra”, afirmou.

O dólar já caiu cerca de 2,5% desde o anúncio do plano fiscal, com o real na liderança dos ganhos entre as moedas dos mercados emergentes.

Fundo campeão de rentabilidade é menos otimista

Na terça-feira, o fundo Verde, gerido por Luis Stuhlberger, deu uma visão bem menos positiva que a do secretário do Tesouro. Campeão de rentabilidade (sobe 22.000% após taxas desde o lançamento em 1997), o Verde enxugou exposição em bolsa e montou uma pequena posição comprada no dólar americano frente ao real.

O mercado acionário brasileiro “continua vítima da soma de todos os medos” dado que não consegue colocar no preço um juro futuro menor, enquanto o novo arcabouço fiscal trouxe a discussão do aumento de impostos e as empresas domésticas enfrentam um cenário de maior endividamento com a taxa Selic a 13,75%, disse o fundo, em carta a cotistas.

“A alavancagem das companhias preocupa, num ambiente de constrição de crédito cada vez mais evidente”, segundo a Verde Asset Management, que tem cerca de R$ 29 bilhões sob gestão.

O arcabouço fiscal apresentado pela equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim do mês passado “consegue ser ao mesmo tempo pior do que o necessário e melhor que o temido,” disse o fundo. “É claro que a maior parte da disciplina fiscal vem do lado da receita, o que levará a discussões complicadas no Congresso, ao mesmo tempo que um governo que já gasta muito e mal quer crescer mais ainda.”

Não é só no Brasil: dólar está caindo no mundo inteiro

O índice Bloomberg Dollar Spot, que compara o desempenho de dez moedas em relação ao dólar, caiu quase 10% desde que atingiu uma alta recorde em setembro passado, com o Fed diminuindo o ritmo de aumento dos juros.

Com taxas mais altas nos EUA, a tendência é que haja uma atração de dólares para o mercado americano, levando a moeda a se fortalecer. Mas especialistas avaliam que a tendência é de desvalorização, pois o ritmo de eventual alta dos juros deve ser menor.

O euro e a libra esterlina subiram no mês passado, pois espera-se que os bancos centrais aumentem as taxas de juros nos próximos seis meses, enquanto o banco central americano provavelmente permanecerá em espera antes de reduzir as taxas no fim deste ano.

— No contexto global, com as altas de juros nos EUA chegando ao fim e o diferencial de juros (a diferença entre a taxa nos EUA e no Brasil) favorável, pode ser sustentável (ter um dólar abaixo de R$ 5). Acho que precisamos ver o arcabouço finalizado e aprovado para solidificar e eventualmente até buscar patamares mais valorizados — afirmou o sócio e gestor da Galapagos Capital, Sérgio Zanini, na terça-feira.

Efeito taxação nas ações

No Ibovespa, os papéis do Magazine Luiza subiram 2,65%, a R$ 3,88. Já as ações da C&A avançaram 3,73%, a R$ 3,06, e as da Renner ganharam 1,72%, a R$ 17,19. Os papéis da Via ficaram estáveis, a R$ 2,03.

O ganho das varejistas refletiu tanto a desaceleração da inflação, divulgada na véspera, e a notícia de que o Ministério da Fazenda pretende endurecer a fiscalização de compras no comércio eletrônico, evitando sonegação de impostos em produtos adquiridos via sites estrangeiros, especialmente asiáticos.

— As empresas de varejo vivem uma competição desleal. Se a taxação for aprovada, pode ser que parte dessa demanda que vai hoje para Shein, Shopee e outras se volte para as nossas varejistas — diz Victoria Minatto, analista de varejo da Eleven.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, também avalia que a taxação das empresas de e-commerce estrangeiras tiraria a pressão do setor:

— Seria positivo porque essas empresas vêm sendo bastante pressionadas pela falta de perspectiva por conta da economia mais fraca e do crédito escasso e caro, o que atrapalhou as vendas do último trimestre.

Tonello, da Benndorf, concorda que uma “barreira interna” a produtos internacionais poderia fomentar o varejo local, mas critica a solução de tentar resolver o problema orçamentário da União por meio de aumento da tributação:

— O governo está inflando impostos em vez de diminuir gastos públicos.


Fonte: O GLOBO