Investigado por suspeita de favorecer Bolsonaro no comando da instituição, Silvinei Vasques conseguiu deixar polícia antes de posse de Lula

Exonerado da direção-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no apagar das luzes no governo Jair Bolsonaro, no fim de dezembro, o policial Silvinei Vasques, de 47 anos, teve seu pedido de aposentadoria da corporação atendido em apenas 24 horas.

A aposentadoria relâmpago do diretor da PRF ocorreu uma semana antes do final do governo Bolsonaro, em meio a uma investigação da Justiça Federal que acabaria por torná-lo réu por improbidade administrativa. Vasques é acusado de usar o cargo de diretor-geral para promover o então presidente e candidato à reeleição, de quem era fiel aliado.

A rapidez na aprovação da aposentadoria é demonstrada na íntegra do processo interno da PRF, obtido via Lei de Acesso à Informação pelo pesquisador Calebe Souza.

Não fosse pela velocidade do trâmite, o requerimento seria apreciado já na nova gestão da PRF, nomeada pelo governo Lula - o que deixaria Vasques sujeito a inquéritos e sindicâncias a respeito de sua atuação a favor de Bolsonaro na eleição de 2022. Como já se aposentou, ele dificilmente sofrerá uma punição administrativa.

A linha do tempo da aposentadoria de Vasques tem uma série de atipicidades que revelam o tamanho do esforço feito no governo para livrá-lo dessas punições.

Vasques formalizou o requerimento no sistema da PRF às 11h11m de 21 de dezembro, um dia após Bolsonaro exonerá-lo do comando da polícia.

Em menos de duas horas, às 12h51m, a corregedoria da superintendência de Santa Catarina, onde ele esteve lotado ao longo da carreira, emitiu um “nada consta” referente a processos administrativos e sindicâncias - o ex-diretor-geral enfrentou pelo menos sete processos na instituição, mas todos acabaram prescrevendo.

Às 13h27m, o setor de gestão de pessoas da PRF emitiu uma certidão detalhando a contribuição de Vasques como policial rodoviário federal desde sua admissão na corporação, em dezembro de 1995. Dois minutos depois, a chefe do setor, Eliana Cristina Pauli, encaminhou o processo para o então superintendente catarinense, André Saul do Nascimento, para que as demais instâncias fizessem a análise técnica do pedido.

Em dois minutos, às 13h31m, o superintendente autorizou que o caso fosse repassado para a Diretoria de Gestão de Pessoas, comandada na época por Marcos Alves Pereira.

Às 16h15m, menos de três horas depois, Pereira registrou no sistema uma minuta de portaria concedendo a aposentadoria a Silvinei Vasques.

O parecer autorizando a aposentadoria entrou no sistema no mesmo minuto em que a análise técnica do requerimento – um relatório de oito páginas que, pelo visto, ou já tinha sido lido por vias não oficiais antes do registro, ou nem sequer foi considerado para a decisão de autorizar a aposentadoria do diretor-geral da PRF.

Seja como for, a linha do tempo não deixa dúvidas de que tudo tramitou em um ritmo extraordinariamente rápido.

A decisão só seria publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia seguinte, 22 de dezembro, uma quinta-feira, ao meio-dia.

Uma vez aposentado, Vasques não pode ser sancionado pela corporação. Ainda assim, a atual cúpula da PRF já sinalizou em mais de uma ocasião que pode cancelar a aposentadoria, a depender da conclusão dos processos disciplinares sobre sua conduta à frente da corporação ainda em curso.

Silvinei é investigado, por exemplo, pelo seu papel nas blitze que dificultaram o trânsito de eleitores em redutos lulistas, como o Nordeste, no segundo turno da eleição presidencial. Na véspera, ele publicou em seu perfil verificado no Instagram um pedido de voto em Bolsonaro.

As operações policiais atípicas teriam sido articuladas pelo então diretor-geral junto dos 27 superintendentes e do ministro da Justiça, Anderson Torres, no dia 19 de outubro.

Na sequência da suposta interferência, bolsonaristas e caminhoneiros passaram a bloquear rodovias em diversos estados brasileiros para protestar contra a vitória de Lula e clamar por uma intervenção militar inconstitucional. Como mostramos na ocasião, setores da própria PRF acusaram Vasques de agir com “corpo mole” diante dos motins.

Embora tenha menos de 50 anos, a aposentadoria de Silvinei Vasques está dentro das regras da carreira.

Isso porque uma lei sancionada no governo Dilma Rousseff estabeleceu que servidores públicos policiais podem se aposentar voluntariamente com salário integral após 30 anos de contribuição, desde que pelo menos 20 tenham sido dedicados a cargos de natureza pessoal (no caso de mulheres, o período é de 25 anos e 15, respectivamente).

Na ocasião, Vasques já somava 26 anos de PRF e mais de 30 anos de contribuição, considerando um período de carteira assinada na iniciativa privada e uma breve passagem pela Polícia Militar catarinense.

Mesmo assim, não fosse Vasques quem é, certamente não teria se aposentado tão rapidamente.


Fonte: O GLOBO