Atuação de forças de segurança, papel de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro e financiamento dos atos de 8 de janeiro são temas na mira de parlamentares. Oposição prega foco no governo Lula

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Ataques Golpistas, cujo requerimento de criação foi lido nesta quarta-feira pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve apresentar diferentes linhas de investigação a respeito das invasões às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro. 

A balança dependerá, em parte, da distribuição de cadeiras entre aliados e opositores do governo Lula (PT), próximo passo para a instalação da CPMI.

Em que pesem as divergências entre governistas e oposicionistas, temas como a atuação de militares ligados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o papel do ex-ministro Anderson Torres, preso desde meados de janeiro, tendem a figurar entre as principais pautas da comissão. Veja, a seguir, os principais pontos no radar dos deputados e senadores:

O papel do GSI e das Forças Armadas

As imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto, reveladas na semana passada, se tornaram o principal gatilho para a instalação da CPMI por conta da repercussão das cenas em que o ex-ministro do GSI, general Gonçalves Dias, e militares ligados à pasta aparecem circulando entre os invasores golpistas. A bancada bolsonarista pretende usar as gravações para argumentar uma suposta conivência da atual gestão com os ataques, dada a proximidade de longa data entre Gonçalves Dias e o presidente Lula.

A base governista, por sua vez, alega que os registros mais indicativos de cumplicidade com golpistas envolvem militares do GSI que ocupavam a pasta desde o governo Jair Bolsonaro (PL).

Em paralelo à disputa sobre as conclusões da atuação do GSI, a comissão parlamentar pode se debruçar sobre o papel das Forças Armadas nos eventos que antecederam e sucederam as invasões às sedes dos Poderes. 

Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, uma CPI instalada com foco semelhante trouxe depoimentos de oficiais da Polícia Militar do DF, no último mês, que relataram dificuldades impostas pela tropa do Exército para a prisão de manifestantes golpistas que acampavam diante do Quartel-General em Brasília.

Em janeiro, outras imagens gravadas durante a invasão golpista no Palácio do Planalto mostraram o então comandante do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), unidade subordinada ao Comando Militar do Planalto, discutindo com policiais militares que efetuavam prisões. As gravações geraram desgaste para o comandante e anteciparam sua saída.

Quais foram os erros da PM do Distrito Federal

A CPMI também deverá se debruçar sobre a movimentação da Polícia Militar do Distrito Federal durante as invasões às sedes dos Poderes. As imagens de câmeras de segurança do Planalto registraram o baixo efetivo de policiais deslocado para conter os manifestantes bolsonaristas antes da invasão. O relatório do interventor de segurança pública do DF, Ricardo Cappelli, elaborado em janeiro, já havia apontado falhas de planejamento e de execução na atuação das forças policiais.

Um dos pontos que devem ser destrinchados pela comissão parlamentar no Congresso é a queda de braço entre Polícia Militar e GSI envolvendo a responsabilização pelos erros no 8 de janeiro. Oficiais da PM já relataram sucessivos entreveros com militares que atuavam na segurança do Planalto desde os preparativos para a posse de Lula.

A conexão entre o ex-ministro Anderson Torres

Preso por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), logo após retornar de viagem aos Estados Unidos em janeiro, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres tende a ser um dos principais focos do governo e da oposição na CPMI dos Ataques Golpistas. Parlamentares bolsonaristas, inclusive signatários do requerimento de criação da CPMI, têm se mobilizado pela soltura de Torres, que foi um dos auxiliares mais próximos a Bolsonaro. 

Eles argumentam que Torres, escolhido para assumir a secretaria de Segurança Pública do DF em janeiro, estava distante da capital federal nas invasões e não teria, portanto, ingerência sobre os acontecimentos, diferentemente de nomes ligados à gestão Lula.

Pesam contra o ex-ministro, além da suposta omissão no planejamento de segurança, ligações com outros episódios que envolveram possíveis contestações e sabotagens ao processo eleitoral de 2022, que culminou na derrota de Bolsonaro. 

A minuta golpista encontrada na residência de Torres, com uma proposta de decretar "estado de defesa" no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a participação do ex-ministro na articulação de operações da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia do segundo turno devem ser explorados pela oposição na CPMI.

De que forma os atos se relacionam com Bolsonaro

O ex-presidente, incluído a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito que apura a autoria intelectual dos atos golpistas, é um dos possíveis alvos da CPMI.

Além de sua proximidade com o ex-ministro Anderson Torres e com movimentos, após a derrota no segundo turno, que sugeriam a possibilidade de contestar o resultado das urnas, Bolsonaro atraiu atenções dois dias após os atos golpistas ao compartilhar, em suas redes sociais, um vídeo questionando a vitória de Lula e fazendo ataques ao STF e ao TSE.

O que pode caracterizar omissão ou falha do governo Lula

O requerimento de criação da CPMI, protocolado pelo deputado bolsonarista André Fernandes (PL-CE), mira especialmente os "atos de ação e omissão" na invasão às sedes dos três Poderes, o que sinaliza a disposição da bancada oposicionista de esquadrinhar a atuação do governo Lula no episódio -- para além das cenas envolvendo o GSI e membros das Forças Armadas.

Relatórios produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) às vésperas dos atos golpistas trouxeram alertas sobre a movimentação de bolsonaristas rumo às sedes dos Poderes. Na véspera das invasões, o ministro da Justiça, Flávio Dino, assinou portaria autorizando o emprego da Força Nacional diante do risco de manifestações na Esplanada dos Ministérios.

O direcionamento da investigação para o atual governo passará pelo equilíbrio de forças dentro da CPMI. A bancada oposicionista tende a ser minoria na comissão, mas se movimenta para emplacar nomes em postos -chave - ou tirar aliados do governo desses postos.

Financiadores dos atos golpistas

Um dos focos que a base do governo Lula pretende dar à CPMI é o avanço na apuração sobre o financiamento de caravanas e estruturas que possibilitaram os ataques golpistas. Uma ação da Advocacia-Geral da União (AGU) mira mais de 50 pessoas físicas e jurídicas acusados de financiar os atos do dia 8 de janeiro, com pedido de indenização de R$ 100 milhões.


Fonte: O GLOBO