Agentes apostam na produção de conteúdo financeiro e na exposição da rotina pessoal para converter seguidores em clientes

Quem não é visto não é lembrado. Em tempos de uso massivo das redes sociais, o ditado é mais atual que nunca. Profissionais de diferentes áreas se tornam empreendedores de si mesmos na internet, em busca de uma presença virtual que se reflita nos negócios.

Com os consultores de investimentos não é diferente. Além de prospectar produtos financeiros e fazer reuniões com clientes, muitos passaram a produzir conteúdos, para promover engajamento nas redes sociais. Como qualquer influenciador digital, gravam vídeos, dividem a rotina pessoal com os seguidores, dão dicas e respondem a comentários. Tudo para alcançar novos clientes e ampliar os ganhos.

O assessor de investimento João Beck, de 38 anos, usava no início um blog e comunidades no Facebook para transmitir informações a seus clientes. Mas, diante da solicitação de amizade de muitos deles no Instagram, em 2018 ele tornou público seu perfil na plataforma de fotos e vídeos e passou a mostrar conteúdos sobre finanças.

Mas foi na pandemia, quando a taxa básica de juros (Selic) caiu a 2%, que viu o interesse em seu perfil disparar, com maior busca de informações sobre renda variável. De casa, passou a gravar vídeos diariamente e obteve bons resultados. Não parou mais. A confiança que Beck busca transmitir pela tela do celular levou muitos de seus seguidores a encarregá-lo de seus investimentos. Hoje, dos cerca de 25 mil clientes que diz ter, estima que 65% deles vieram das redes sociais.

— Não imaginava que ia tomar a proporção que tomou, nem que eu ia conseguir monetizar da forma que consigo atualmente — conta o assessor, que tem 145 mil seguidores no Instagram.

Beck, que atua no escritório Nomos, no Rio, tem uma equipe de apoio de dez pessoas. Sete cuidam da gestão dos ativos financeiros dos clientes, e os outros três se dedicam exclusivamente à produção de conteúdo para o Instagram. Isso inclui edição de vídeos, escolha de fotos e textos e respostas às mensagens de seguidores que podem se converter em clientes.

No escritório, ele conta com um estúdio superequipado para a gravação de conteúdos, tarefa à qual dedica dois dias inteiros da semana. Com câmeras, computadores e equipamentos de iluminação de última geração, o espaço supera muitos estúdios profissionais de mídia. Permite que ele se apresente com até quatro cenários diferentes, sendo um deles a vista para a Praia de Ipanema, na Zona Sul do Rio.

Perfis mais que dobram

O número de influenciadores de finanças tem se multiplicado nos últimos meses. Segundo o relatório Finfluence, publicado pela Anbima em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, a quantidade de perfis desse nicho saltou de 255 no primeiro semestre de 2022 para 515 no segundo. Cresceu também a audiência: o número de seguidores teve alta de 76% no mesmo período, chegando a 165,7 milhões.

Mas nem todos que falam sobre investimento nas redes são profissionais da área. A maior parte é apenas produtor de conteúdo e não está habilitado para assessorar seus seguidores, aponta a pesquisa.

Por isso, alertam os especialistas, é necessário confirmar a veracidade das informações compartilhadas e pesquisar muito bem o histórico do profissional encontrado nas redes antes de lhe entregar o dinheiro para administrar. E investimentos com ganhos extremamente vantajosos na comparação com a média do mercado devem acender o sinal amarelo, para não cair em golpes.

Embora ainda não exista uma regulação específica sobre a atuação de influenciadores financeiros, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, afirma que o assunto está entre as prioridades normativas para este ano.

Por enquanto, apenas pessoas autorizadas ou instituições cadastradas podem oferecer operações no mercado de valores mobiliários. É possível verificar a adequação pelo site: sistemas.cvm.gov.br/?CadGeral.

Estratégias variam

Sócio e assessor de investimentos da Blue3, José Áureo Viana Barbosa Júnior, de 38 anos, calcula que 20% de seus clientes foram captados por meio das redes sociais. Apesar disso, quando começou o perfil Minutos de Valor, em 2017, o principal objetivo era contribuir para a educação financeira.

Trabalhando na época em um banco público, não podia se expor na internet. Por isso, mesmo agora, após atingir mais de 460 mil seguidores no Instagram, mantém o padrão de postagem, com gráficos e informações escritas em imagens.

Apostando no crescimento do interesse em investimentos ESG, ele trabalha para desenvolver um perfil voltado para esse assunto especificamente, o Kestävä Invest.

— Entendi que eu deveria segmentar para capturar um público diferente — conta Barbosa. — Costumo postar às 9h e às 18h, porque são horários em que as pessoas estão mais ativas e há picos de visualização.

Mesmo com salário fixo, por ter carteira assinada, a analista de alocação em fundos da XP Clara Sodré, de 26 anos, também aposta nas redes sociais. Ela avalia que, assim, consegue fazer com que os relatórios de investimentos que produz na empresa alcancem mais pessoas.

— O Instagram verificou a minha conta com 13,5 mil seguidores no fim do ano passado. Isso concede uma credibilidade ainda maior — revela. — Em mercado financeiro, é comum o uso de termos técnicos, o que dificulta o entendimento por quem não é da área. Por isso, tento simplificar a linguagem para gerar proximidade.

Sem uma carteira própria de clientes, Clara direciona os interessados para o portal institucional da XP. Seus ganhos acontecem por meio de contratos com marcas que a procuram para divulgar produtos e serviços. Na semana do Dia Internacional da Mulher, por exemplo, produziu, em parceria com uma marca de roupas, uma série de vídeos focados em investimentos para mulheres.

Foi na prática que o assessor João Beck entendeu que seus 145 mil seguidores não querem receber apenas conteúdos sobre temas técnicos e áridos da área de finanças pessoais.

As postagens em que mostra seu estilo de vida e compartilha momentos de lazer, como um passeio de lancha com seus cães, uma viagem a Ibitipoca (MG), aula de kickboxing ou uma corrida na Lagoa no domingo, são as que mais recebem curtidas. É uma forma de gerar identificação e proximidade com os seguidores. Ele compartilhou até mesmo o pedido de noivado que preparou para a namorada em alto-mar, com fogos de artifício ao fundo.

— Percebi que aquela interação na minha vida pessoal engajava com meus clientes — comenta Beck. — E essa aproximação, além de gerar indicações, gera relacionamento para sugerir um investimento, porque ele fala com você fora do horário comercial.

Identificação funciona

Mulher, negra, nordestina e membro da comunidade LGBTQIA+, Clara também acredita que o interesse por sua personalidade é a melhor forma de engajar seguidores — e potenciais clientes — nos materiais profissionais que divulga. Para ela, muitos dos seus seguidores decidem acompanhá-la por se identificarem com suas causas.

— Percebi que as pessoas estavam saturadas com conteúdo demais. Reduzi a quantidade de postagens, trouxe mais posts pessoais para o feed e deixei assuntos mais complicados para vídeos curtos e rápidos. Quem tem interesse em conteúdos mais robustos vai buscar nos relatórios — diz Clara, que compartilha cenas em casa e com a namorada.

Até José Áureo, que nunca mostrou o rosto nos seus maiores perfis, agora está iniciando uma terceira conta para compartilhar, entre as postagens sobre economia, um pouco da rotina pessoal, como a participação em uma corrida de rua ou a ida a uma cervejaria artesanal.

— Poderia até monetizar de outras formas, já que recebo muitas propostas de parceria com marcas de roupa e beleza masculina, mas não tenho tempo para dar conta de tudo isso — lamenta.

Cuidados a tomar antes de seguir conselhos nas redes

  • A maior parte das pessoas que falam de investimento nas redes não é profissional. São apenas produtores de conteúdo, sem habilitação para prestar assessoria.
  • Encontrou um profissional nas redes? Antes de lhe confiar seu dinheiro, pesquise o histórico dele.
  • Cuidado com ofertas de ganhos extremamente vantajosos em relação à média do mercado: pode ser golpe.
  • A CVM ainda não regula influenciadores financeiros. Por enquanto, só pessoas autorizadas ou instituições cadastradas podem oferecer operações no mercado. Cheque em sistemas.cvm.gov.br/?CadGeral.

Fonte: O GLOBO