Transformação da área mais valorizada da capital paulista mira região da Avenida Nove de Julho com investimentos milionários em residenciais de luxo

No jargão do mercado imobiliário o Itaim Bibi, vem, nas últimas três décadas, “sendo espremido”. Após se tornar o metro quadrado mais caro de São Paulo, ao lado de Vila Nova Conceição, a transformação do bairro cortado pela Avenida Faria Lima, endereço da elite financeira e tecnológica do país, ruma para seu extremo noroeste. 

Se uma cobertura foi negociada este ano com metro quadrado recorde de R$ 100 mil com vista para o Parque do Povo, incorporadores começam a mirar o extremo oposto, na área da Avenida Nove de Julho, com residenciais de luxo projetados no trecho entre as avenidas Cidade Jardim e São Gabriel. Um movimento que, apostam empreendedores, está só começando. 

E com limites a serem testados no momento em que esquentam as discussões na Câmara de Vereadores sobre a revisão do Plano Diretor Estratégico da cidade.

— O Itaim ficou tão caro que já faz sentido demolir prédios nesta área específica para construir novos. Há uma corrida no mercado pelos últimos lotes possíveis, ocupados por prédios comerciais tão ultrapassados que não há retrofit que resolva. É a valorização do bairro que está ditando esta renovação — diz Otavio Zarvos, sócio fundador da Idea!Zarvos, especializada em edifícios boutique.

A incorporadora fez o maior investimento de sua história no complexo DaMata, na esquina da Nove de Julho com a Rua da Mata. Um “movimento ariscado” que, acredita Zarvos, será reprisado. Foram R$ 320 milhões na compra do terreno e na demolição da lanchonete América e de dois prédios de escritórios dos anos 1970 para a construção de duas torres: uma residencial de 30 andares e outra comercial, menor, a serem entregues em 2025.

É o primeiro projeto de Isay Weinfeld no bairro, e inclui galeria de lojas e praça de uso público. No topo do residencial, a primeira piscina com vista para todas as faces do prédio na cidade e um jardim vertical. A forma angular garante a todos os apartamentos vista “eterna” para o verde e as mansões do Jardim Europa (por causa do tombamento).

Das 179 unidades anunciadas em novembro, só 23 seguem à venda — 17 residenciais (com 250 m²), três escritórios e três lojas. Os estúdios (de 26 a 58 m²) foram todos negociados. O valor do metro quadrado residencial vai de R$ 42 mil (andares mais baixos) a R$ 56 mil. E a estimativa de receita ultrapassa os R$ 400 milhões.

— São Paulo é uma cidade hostil, mas também tão próspera que possibilita a renovação. No Itaim, o que buscamos é transformar o ótimo em espetacular — diz Zarvos, às voltas com mais um projeto na área, na Rua Itacema, quase esquina da Renato Paes de Barros. Também de luxo.

Na vizinha Pedroso Alvarenga, o Hotel Fasano Itaim abre no próximo dia 8. O projeto inclui apartamentos residenciais com serviço cinco estrelas e vista para o Jardim Europa. A arquitetura é da Aflalo & Gasperini, com 70 residências de 288 m², a R$ 50 mil o metro quadrado. E com um novo Gero no bairro que emplacou quatro dos cem melhores restaurantes brasileiros na lista anunciada pela Exame na quinta-feira (Osso, Chez Claude, De Segunda e Banzeiro).

Não são só os novos lançamentos que atestam a alta temperatura do mercado. A Esquema Imóveis, referência em unidades de alto padrão e com forte presença no Itaim, aponta aumento de 66% na procura por unidades em 2022, se comparados ao ano anterior. 

Os valores negociados no bairro pela empresa foram 96% maiores do que em 2021, média que segue nos primeiros meses deste ano. De acordo com a Secovi-SP, o metro quadrado médio para unidades de luxo (acima de R$ 1,5 milhão) no distrito do Itaim Bibi (que inclui Vila Nova Conceição, Vila Olímpia, Campo Belo e Brooklin) foi de R$ 22,3 mil no ano passado.

— Nas cercanias da Nove de Julho há mais oferta de serviços a pé, vida noturna e o fim de semana não é morto. Ainda há prédios antigos com o metro quadrado na casa dos R$ 12 mil, mas são poucos. E os comerciais já não atendem mais a lógica pós-pandemia do trabalho híbrido corporativo: buscam-se espaços menores e ao mesmo tempo mais modernos — diz o CEO da Esquema, Marco Tulio Vilela, que acaba de registrar a venda recorde da cobertura com m² a R$ 100 mil no bairro.

Presidente da Sociedade Amigos do Itaim Bibi desde 1995, o advogado Marco Antônio Castello Branco teme, com a mudança, o custo de vida mais alto, a maior dificuldade em se circular de carro e o aumento da insegurança. 

A Secretaria de Segurança de São Paulo informa que os furtos registrados no Distrito Policial do Itaim Bibi passaram de 255 casos, em fevereiro do ano passado, para 764 no mesmo mês este ano — crescimento de quase 200%, média de 27 casos por dia.

— Aqui o engarrafamento é permanente. O roubo de celulares aumentou. Agora mais uma parte do bairro será inflacionada — ressalva.

A associação de moradores participará no mês que vem de audiência na Câmara dos Vereadores, quando Castello Branco defenderá a diminuição do ritmo de construções. O aumento de carros, alega, em uma área com tradicional presença comercial, complicará ainda mais o trânsito.

Relator dos dois mais recentes projetos de lei do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (em 2002 e 2014), o arquiteto, urbanista e ex-vereador pelo PT Nabil Bonduki reforça que um dos eixos centrais do projeto foi justamente aumentar a densidade populacional em bairros como o Itaim, localizado no centro expandido da capital.

“Não é gentrificação"

— E não se pode falar em gentrificação do Itaim. O bairro nunca foi de habitação popular e sua verticalização é antiga. O que se vê agora é o aluguel comercial pouco rentável para proprietários em uma área muito desejada por moradores de classe alta interessados em morar perto do trabalho. E novos projetos com construções com fachada ativa e unidades de tamanhos diversos. Neste sentido, não é ruim — diz Bonduki.

Especialistas também observam o que aconteceu no outro lado do Jardim Europa. Desde a aprovação da mais recente Lei de Zoneamento, em 2016, multiplicaram-se prédios residenciais na Avenida Rebouças, especialmente no trecho paralelo à Rua dos Pinheiros.

— A diferença é que lá derrubaram-se em sua maioria lojas e casas. Na área da Nove de Julho, a realidade são prédios residenciais ou comerciais, como o “Dentão”, com consultórios de dentistas — pondera o vice-presidente de Legislação e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP, Ricardo Yazbek — Aposto em um aumento de novos lançamentos residenciais, mas o ritmo da mudança será menor do que o observado na Rebouças. (Colaborou Bianca Gomes)


Fonte: O GLOBO