Despesas devem crescer 2,3% acima da inflação no ano que vem, perto do patamar máximo de 2,5% definido no novo marco fiscal, estima economista

A forma como o arcabouço fiscal foi desenhado vai permitir que as despesas cresçam próximo ao limite máximo previsto na nova regra em 2024. De acordo com cálculos de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e especialista em contas públicas, os gastos do governo devem crescer 2,3% acima da inflação no ano que vem.

A nova regra fiscal limita o avanço das despesas a cada ano a 70% do aumento das receitas primárias nos 12 meses até junho do ano anterior. Mas também determina parâmetros, limites mínimos e máximos para o crescimento dos gastos. Isso evita um aumento desenfreado de dispêndios em caso de salto na arrecadação.

Os gastos devem crescer sempre entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. Os cálculos do economista indicam que, no primeiro ano de vigência do arcabouço, os gastos ficariam próximos deste teto.

Parte do crescimento de gastos no ano que vem é decorrente da forma como o governo vai calcular as receitas. O governo excluiu o que considera receitas extraordinárias da conta que determinará o crescimento real das despesas nos próximos anos, como antecipou O GLOBO.

O princípio da mudança tem viés fiscalista, ao impedir que receitas que não vão se repetir abram espaço para a criação de gastos permanentes.

Receitas extraordinárias

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comentou o assunto em entrevista com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele deixou claro que a exclusão das receitas extraordinárias vale apenas para o cálculo dos gastos e não das metas previstas no arcabouço:

— Respeitar a regra de gasto (contida no arcabouço fiscal) é uma coisa, atingir o primário (metas fiscais até 2026) é outra. Para atingir o primário, há várias medidas que vou colocar na lei orçamentária que preveem receitas extraordinárias.

Mas uma conjunção de fatores contribui para que a exclusão de receitas extraordinárias dê margem a um alívio nas contas do governo em 2024. Em 2022, o governo teve um forte aumento de arrecadação graças a receitas não recorrentes, como dividendos (parte do lucro distribuído pelas empresas), royalties e concessões. Este efeito não se repetiu no período seguinte.

O cálculo é feito tomando como referência o período de 12 meses até junho de 2023 em relação ao imediatamente anterior. Se o governo adotasse como parâmetro o total de receita primária (incluindo recorrente e extraordinária), haveria um ajuste, uma queda na arrecadação.

E isso levaria a um volume menor de gastos autorizados em 2024. Ao excluir da conta os fatores pontuais, há mais margens para despesas no ano seguinte.

IPCA do ano calendário

Embora esse quadro seja resultado de uma conjuntura, uma base de comparação alta em 2022 também deve ajudar o Ministério da Fazenda a vencer obstáculos políticos. Integrantes do governo e do PT vinham criticando nos últimos dias a possibilidade de as despesas crescerem pouco no ano que vem.

Este ano, o governo teve um cenário de maior tranquilidade do ponto de vista das despesas em razão da “PEC da Transição”, que autorizou gastos de R$ 168 bilhões fora do teto de gastos (a regra fiscal ainda vigente).

O governo decidiu manter um dos parâmetros do teto de gastos adotados desde 2021, a correção das despesas com base no IPCA, o índice oficial de inflação, do ano calendário, de janeiro a dezembro.

Para especialistas, a decisão de usar o IPCA pelo ano calendário permite mais gastos, o que permitiria o cumprimento de promessas de campanha de Lula.

— Para cumprir as promessas, o governo precisa colocá-las no Orçamento. E, para isso, precisa expandir o gasto. A correção das despesas pelo IPCA cheio dá um alívio para 2024. Mas de 2025 em diante não haverá um cenário maravilhoso, segundo as projeções de inflação. O que parece é que o governo escolheu o IPCA cheio para ter alívio em 2024 e depois vai ver o que faz — diz Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, destaca ainda que a inflação que corrige o gasto, de acordo com o projeto de lei, é a realizada no primeiro semestre do ano anterior, medida pelo IPCA, somada à projeção de inflação para o segundo semestre.


Fonte: O GLOBO