Partidos vêm tentando aprovar no Congresso uma anistia às multas por descumprimento do percentual mínimo de repasses

Fraudes à cota de gênero, com o lançamento de candidatas laranjas, levaram à cassação de pelo menos 75 políticos desde as eleições de 2020 em 14 estados. Entre eles o vereador de Belo Horizonte Uner Augusto (PRTB), suplente do hoje deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que perdeu o mandato no último dia 18 . Em paralelo, partidos tentam aprovar no Congresso anistia às multas por descumprimento do percentual mínimo de repasse de recursos a candidaturas de mulheres e de negros.

No caso da chapa de Ferreira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pela condenação devido a práticas que são um padrão seguido em todos os casos mapeados: votação quase zerada de candidatas mulheres, ausência de gastos eleitorais e realização de campanha para um candidato homem inscrito na nominata. Pela legislação, os partidos são obrigados a reservar 30% das candidaturas para mulheres.

Levantamento do GLOBO em processos nos Tribunais Regionais Eleitorais identificou 74 vereadores que perderam seus mandatos porque as postulantes mulheres nem sequer sabiam que estavam concorrendo ou se empenharam na eleição de outros nomes, incluindo familiares.

Deputados estaduais

Em relação à eleição de 2022, o deputado estadual Rafael Tavares (PRTB), do Mato Grosso do Sul, é o único que perdeu o mandato por este motivo. No entanto, outros quatro processos estão nas cortes eleitorais e colocam em xeque o mandato de mais 12 deputados eleitos.

Em Goiás, as chapas estadual e federal do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) são alvos de investigação. Uma ação conjunta de Republicanos, Solidariedade, Patriota, PT, PV e PCdoB pede a cassação dos deputados federais Gustavo Gayer, Professor Alcides, Magda Mofatto e Daniel Agrobom. As legendas alegam que duas candidatas não fizeram campanha e apenas completaram a nominata.

Enquanto isso, no Congresso, uma Proposta de Emenda à Constituição anistia as siglas que não cumpriram a cota mínima de repasse de recursos públicos a mulheres e negros. A proposta obteve 184 assinaturas — são necessárias 171. Entre os partidos com mais deputados que subscreveram estão o PL (40), PSD (34), PT (32) e MDB (29). Em 2022 foi promulgada uma proposta com o mesmo teor referente às eleições anteriores.

O advogado eleitoral Eduardo Damian explica que a PEC não anula as cassações:

— A PEC só anistia as multas e penalidades pecuniárias. Caso um deputado ou vereador tenha perdido seu mandato, ele não será restabelecido.

Para Laura Astrolabio, especialista lato sensu em Direito Público e diretora de A Tenda das Candidatas, ONG voltada para participação política de mulheres, medidas como essa fragilizam a democracia:

— A lei de cotas é obrigatória desde 2014 e os partidos seguem dizendo que anistia precisa acontecer porque não tiveram tempo e seguem não cumprindo há anos. É uma total falta de respeito aos direitos políticos das mulheres, dos grupos marginalizados e impacta toda nossa sociedade.

Rio e São Paulo são os estados em que mais vereadores foram cassados, com 21 e 15, respectivamente. No Rio, a maior parte dos escândalos ocorrem na Região dos Lagos e envolvem o PL (6) e o PSC (5). Em Silva Jardim, na Baixada Litorânea, o PL perdeu quatro cadeiras na Câmara Municipal. Em outubro do ano passado, o TRE-RJ cassou a chapa após constatar que uma das mulheres inscritas postava material de campanha de terceiros em seu Facebook.


Fonte: O GLOBO