Na média nacional, 18% das rotas domésticas saem depois do horário. Santos Dumont e Congonhas operam com fluxo de passageiros acima da capacidade

Com a retomada da aviação no pós-pandemia, estão voltando à cena atrasos, filas e cancelamentos. A situação é mais crítica no Santos Dumont, terminal carioca que já opera acima da sua capacidade, e que teve um salto em voos atrasados na ponte aérea Rio-São Paulo. No ano passado, o Santos Dumont recebeu 10,17 milhões de passageiros, mas o terminal foi projetado, na sua atual configuração, para receber no máximo 9,9 milhões.

Congonhas também teve mais passageiros do que deveria — foram 18,7 milhões para uma capacidade estimada de 15 milhões.

O Santos Dumont sofre mais por ser menor e ter infraestrutura mais restrita do que o terminal paulista. O resultado são problemas que saltam aos olhos dos usuários nos últimos meses, com longas filas de embarque e aumento em cancelamentos e atrasos.

A situação tende a se agravar com a entrada em operação, desde a semana passada, de novas autorizações de pouso e decolagem (slots) em Congonhas, afirmam especialistas.

Voos muito cheios, questões climáticas e o aumento das operações aéreas nos aeroportos já levaram a um forte aumento no número de voos atrasados este ano. Em janeiro e fevereiro, 18% das rotas domésticas no país saíram com atraso superior a 15 minutos, segundo levantamento da AirHelp, empresa especializada em direitos de passageiros.

No mesmo período de 2022, os atrasos eram de 11,5% dos voos. Na ponte aérea Rio-São Paulo, usada especialmente por passageiros corporativos, o percentual saltou e é maior nas saídas do Santos Dumont. De Congonhas para o Rio, os atrasos chegaram a 27,11%. De Santos Dumont para São Paulo, a 29%. Em igual período de 2022, os índices eram de 5,8% e 6,9%, respectivamente.

— O acirramento da concorrência nos aeroportos pode ter um impacto na pontualidade das companhias aéreas. É um efeito indireto que gera mais atrasos. Vemos Congonhas agora bastante disputado, e isso tem um impacto em cascata sobre boa parte dos aeroportos do Brasil e em particular no Santos Dumont — explica Alessandro Oliveira, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Governo quer ouvir o Rio

A concorrência, frisa ele, é positiva no sentido de trazer redução de preços, atraindo mais passageiros e impulsionando a oferta. Mas acaba, ao mesmo tempo, puxando pressões operacionais que fazem com que as companhias tenham mais problemas no controle da pontualidade.

A Azul recebeu autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para mais do que dobrar seus slots em Congonhas, passando de 41 para 84. E iniciou, na semana passada, novos voos para seis destinos no país, partindo de São Paulo, para Rio, Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Recife.

A concorrência respondeu. A Gol, que tem 238 slots em Congonhas, reforçou a divulgação da malha de 200 chegadas e partidas diárias para 29 destinos no país.

Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, lembra que Congonhas está numa transição para ser ampliado, passando às mãos da Aena, com investimentos planejados para aumentar a capacidade operacional.

No aeroporto carioca, diz, há problemas em limitação de estrutura, porque é preciso investimento para estar preparado para atender passageiros e aeronaves no momento de pico.

O ministro Márcio França, de Portos e Aeroportos, anunciou recentemente que o Santos Dumont não vai mais ser licitado com o Galeão, como estava previsto. E continuará com a Infraero, sob o argumento de que é superavitário.

Segundo técnicos da pasta, o governo já tomou a decisão de não ampliar a capacidade operacional do Santos Dumont em 2023 e que o número de aeronaves autorizadas a pousar no terminal será o mesmo do registrado no ano passado.

Pedidos de aumento das operações não serão autorizados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Se houver aumento da demanda, ela seria direcionada ao Galeão.

Para Quintella, o argumento do governo de que o terminal é superavitário não justificaria sua permanência com a Infraero, pois já foram licitados outros aeroportos com as contas no azul, como Guarulhos e Congonhas, entre outros:

— É um equívoco e vai na contramão do que vinha se fazendo em aeroportos e do próprio desenvolvimento do Estado do Rio. Nas mãos da iniciativa privada, o Santos Dumont pode avançar. E a modelagem do Galeão também tem de ser uma que atraia investidores.

Na semana passada, França anunciou que o governo avalia licitar o Galeão junto com o aeroporto de Resende. Seria uma forma de superar restrições e encontrar um caminho para uma outorga (valor pago pelo concessionário ao poder concedente) mais compatível com o movimento no terminal. Mas a proposta não foi bem recebida.

Na avaliação da prefeitura e do governo do Estado do Rio, é uma saída que não resolve o problema. Desde o início, as autoridades fluminenses defendem uma atuação coordenada entre os aeroportos, de modo a não canibalizar o movimento do Galeão. Isso seria possível ao limitar as operações no terminal localizado no Centro do Rio.

Segundo o Ministério, qualquer solução será discutida com as autoridades locais. A Secretaria de Aviação Civil (SAC), subordinada à pasta, estuda alternativas para manter Changi, como operadora do terminal. A empresa de Cingapura aceitou renegociar a permanência no aeroporto.

Mudança em outorga

Uma ideia em discussão é fazer ajustes no contrato de forma que a concessionária passe a pagar um valor variável, conforme o desempenho do aeroporto. Mas ainda não há definição isso exige ou não uma nova licitação.

Enquanto não se chega a um acordo, Newton Lins de Noronha, de 35 anos, diretor de vendas em uma empresa de fundos de investimento, traça estratégias para fugir dos horários de pico na ponte aérea Rio-São Paulo, da qual depende para trabalhar.

— Sempre tento escolher o horário de almoço por ser mais vazio. Pela manhã cedo, à tarde ou noite a ponte aérea fica cheia — conta. — Eu viajo toda semana e os atrasos acima de 45 minutos costumam acontecer uma vez a cada três voos.

Em um quadro de alta de preço de combustível e despesas atreladas ao dólar, as companhias aéreas optaram por aeronaves maiores para ganhar em escala. Com isso, os voos decolam a maior parte do tempo com alta taxa de ocupação. Para driblar saídas menos cheias e não lucrativas, alguns voos são combinados ou cancelados.

Ao longo de 2022, 12,6 milhões de passageiros foram afetados por cancelamentos e atrasos de voos no Brasil, ou um em cada seis passageiros, mostra levantamento da AirHelp. E já se aproxima dos patamares anteriores à pandemia, quando houve 18,4 milhões de viajantes impactados por esses problemas, ou um em cada cinco. Em 2021, foram 6,6 milhões de passageiros, um em cada oito.

A Latam explicou que fatores externos, “como meteorologia e operação de navios e embarcações ao redor do aeroporto Santos Dumont, têm impactado na pontualidade” de seus voos na ponte aérea. E afirmou atuar com mais de 90% das frequências no horário entre o aeroporto carioca e Congonhas.

A Anac pondera que comparar alta de atrasos de um mês com outro “é complexa”, pela ocorrência de eventos diversos como manutenção não programada de aeronaves, imprevistos com a tripulação, de meteorologia, fechamento de aeroporto e outros. Como a aviação opera em rede, diz a Anac, há ainda a possibilidade de atraso em voos de um aeroporto por problemas em uma outra localidade.

Congonhas, cita a agência, teve alta de 40% em quantidade de operações entre janeiro de 2022 e deste ano, o que altera o comportamento do tráfego aéreo. Neste início de ano, houve ainda mais problemas de clima adverso nos dois terminais que operam a ponte aérea Rio-São Paulo.

Procurada, a Infraero, que administra Congonhas e Santos Dumont, por outro lado, frisou não haver relação entre aumento de operações a atrasos. Ao mesmo tempo, disse cuidar das condições de “operacionalidade, infraestrutura e segurança” dos aeroportos. E que “fora dessas competências, diversos outros fatores podem influenciar nos horários de pousos e decolagens”.


Fonte: O GLOBO