Presentes dados por autoridades sauditas não foram entregues ao acervo da presidência da República, como determina a lei

O ex-presidente Jair Bolsonaro pode responder criminalmente e por infrações tributárias caso seja comprovado que ele incorporou ao seu acervo pessoal joias dadas ao Estado brasileiro por autoridades da Arábia Saudita. 

A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso. O GLOBO ouviu especialistas sobre quais acusações podem recair sobre o ex-titular do Palácio do Planalto, se ele for processado e, posteriormente, condenado.

As joias em questão foram trazidas ao Brasil pelo então ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, que foi representar Bolsonaro num evento no exterior em outubro de 2021. O conjunto continha um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça Chopard. Bento só repassou o material ao presidente um ano depois, em 29 de novembro de 2022.

O estojo, recebido pessoalmente por Bolsonaro, não foi entregue ao acervo histórico da presidência, segundo informou ontem o Palácio do Planalto.

Especialistas, que preferiram não se identificar, afirmam que o presidente poderá ser enquadrado por peculato, prática caracterizada pela apropriação de bem público, caso a apuração demonstre que o ele se apossou das joias ilegalmente. Ainda que, num eventual processo judicial prevaleça a interpretação de que se tratavam de itens pessoais, Bolsonaro poderá responder por descaminho, pois os impostos não foram pagos.

O ex-presidente também pode ter problemas com o Fisco. Nesse cenário, pode ficar caracterizado o que especialistas classificam como interposição fraudulenta. Trata-se da irregularidade verificada quando um cidadão não declara um bem que deveria ser declarado. 

E este bem, por sua vez, é encaminhado para outra pessoa. Nesse caso, o item é confiscado — ou é aplicada uma multa substitutiva, equivalente a 100% do valor das mercadorias. O bem apreendido pode ser leiloado, vendido ou incorporado ao patrimônio público.

Presentes

A legislação estabelece que os objetos recebidos em cerimônias oficiais, em forma de presentes dados por chefes de Estado e de governo, são considerados patrimônio da União. Documentos bibliográficos e museológicos recebidos nas mesmas ocasiões também se enquadram como patrimônio público. Albuquerque foi à Arábia Saudita como representante do governo brasileiro.

A praxe é que apenas presentes oferecidos por cidadãos, empresas e entidades permaneçam com o ex-presidente. Nesse caso, são itens de natureza personalíssima ou de consumo direto, como roupas, alimentos ou perfumes.

Linha de corte

Até 2021, quando Bento Albuquerque trouxe os regalos recebidos na Arábia Saudita, a legislação permitia a entrada no país, sem necessidade de declaração, dos bens que valessem até 500 dólares. A partir de então, a linha de corte passou a ser mil dólares.

No mesmo dia em que trouxe o conjunto entregue a Bolsonaro, o então ministro de Minas Energia tentou entrar no Brasil com outro estojo de joias. Elas continham peças como colares e anéis de diamantes, avaliadas em R$ 16,5 milhões. Como não havia sido declarado, o material foi retido pela Receita Federal.


Fonte: O GLOBO