Empresário defende que entretenimento seja mais bem aproveitado nos negócios e afirma que turismo 'não pode ser puxadinho'

Prestes a concretizar um novo festival, o The Town, em São Paulo, Roberto Medina, criador do Rock in Rio e presidente da Rock World, defende que a capacidade criativa e produtiva do Brasil para turismo e eventos precisa ser melhor trabalhada economicamente, com melhor planejamento e incentivos como a Lei Rouanet para o desenvolvimento do potencial do país nessa área: “Turismo não pode ser puxadinho. Tem que ser projeto sério, de investimentos”.

Para o empresário, as milhares de mortes e as restrições impostas pela pandemia fizeram os consumidores repensarem seus gastos com lazer e experiências. Na retomada das atividades, passaram a priorizar viagens, espetáculos, festivais sem se preocupar tanto com os preços. Na visão dele, viver o aqui e agora ganhou mais valor, o que redireciona o mercado de entretenimento no curto e médio prazos.

Dono de uma experiência ímpar nessa área, Medina avalia que o principal desafio dos empresários do setor agora é equilibrar o anseio fervoroso do público por grandes eventos com a alta do custo de produção. No longo prazo, prevê Medina, é investir e potencializar um recurso que já está à mão: “O produto Brasil é incrível”.

Qual é a sua perspectiva para o setor de turismo e eventos ?

Para mim, fica muito óbvio que a pandemia traz um outro cenário econômico para o mundo, e para o Rio de Janeiro. Você teve a Humanidade de joelhos para a morte. Então, o que não era finito ficou finito. A minha percepção desse mercado, que está começando e que acho que vai ser maior na questão do lazer e turismo, é que o dinheiro de quem tem vai sair da poupança para o investimento no cuidado com a vida, na alegria, nos amigos.

Pais e filhos viveram uma tragédia mundial. A prioridade da pessoa não vai ser poupança. A vida é ao vivo e é hoje. Não é ao vivo e depois. É hoje. A demanda está latente. No dia 14 de março, começa a pré-venda do The Town, em São Paulo, e acho que será o mesmo fenômeno. A percepção não está clara do ponto de vista acadêmico, mas as empresas estão sentindo que têm que crescer, estão patrocinando.

Que oportunidades o senhor enxerga nesse cenário?

O Brasil tem um negócio de exportação incrível. Pegando os exemplos do carnaval e do Rock in Rio, temos o DNA de quem faz o evento e da estrutura Brasil. O que percebi vivendo fora do país é que as nossas dificuldades criaram uma musculatura para o profissional brasileiro muito superior à do resto do mundo. Nós saíamos atrasados nessa questão do entretenimento, e o Rock in Rio de 1985 abriu uma porta para a profissionalização.

Fui buscar uma marca não porque eu achava que era só uma coisa para estar ali, não. Era economicamente fundamental para viabilizar o sonho, porque o sonho custava três vezes mais que no mercado americano. E tudo era importado naquela época. O rock me deu a oportunidade da comunicação 360 graus. Tivemos que sofisticar a entrega e a comunicação para valer a pena, a tal ponto que somos um case internacional.

O senhor enfatiza a relação entre eventos e turismo. Quais são as dificuldades que os setores enfrentam hoje?

Não temos projeto para o turismo, não fizemos o dever de casa. E o produto Brasil é incrível. Nós temos praia, o povo brasileiro. Isso está no desenho da minha história: luz no povo. Continuo a achar que o cantor ou a banda estão em segundo lugar. Primeiro é a pessoa, a experiência. Olha o carnaval aí.

Outra coisa interessante que prova a capacidade, não só criativa, mas de execução, é que o carnaval é uma peça única que nenhum outro país conseguiria fazer. É espontâneo. Então, se a gente pudesse estruturar, imagina o que poderíamos ganhar com isso? O turismo não pode ser um puxadinho. Tem que ser um projeto sério, um investimento. Estou trabalhando em um musical que quero fazer para exportar a história do Rio. A ideia é materializar de maneira permanente.

Tem coisas com investimento pequeno mas de percepção grande. Vamos dizer que se faça um lual na praia do Rio com público à noite e showzinhos pequenos. A imagem que vai dar é de segurança. Então, o próprio evento tem que ser pensado com os problemas e desafios de comunicação que tem a cidade, que tem o país.

O setor vai continuar em alta daqui para frente?

Não sei se essa tendência sobe, mas não desce de jeito nenhum. O consumidor antigo, pré-pandemia, acabou. Não tem mais. Não tem nexo a sua poupança, a gente não sabia se ia estar vivo. Mas também depende do dinheiro das pessoas para investir no bilhete do teatro, numa passagem de avião, de ônibus. Claro que a economia real, inflação e todos esses dados que impactam têm uma influência importante.

Como fecha a conta de um grande evento com inflação e dólar altos ?

Distribui. O ingresso custa um pouquinho mais, o patrocínio também. E a gente vende todo o projeto. Eu invisto muito na construção do espaço da marca para que isso aconteça. Temos tido excelente resultado no Rock in Rio, e acho que teremos no The Town. Quando fazemos um evento, eu tenho o conceito de vender experiência, porque a conta não se paga vendendo bilhete.

O Rock in Rio é um evento muito atípico se você pensar no mercado mundial. Está entre a Disney e um evento de música. O que tenho que correr atrás é que seja cada vez mais a Disney. Ninguém vai à Disney ver um espaço da Avatar. O cara vai à Disney, e que bom que tem espaço do Avatar lá. A música brasileira, a capacidade que o empresário aqui tem de sobreviver, o carnaval: como pode fazer aquilo? Isso tem que ser empacotado de uma maneira pensada e econômica.

Não tenho projetos conectados à Lei Rouanet, mas tem que ter. Como é que o empresário pequeno faz? Não faz. É uma burocracia gigante de todos os órgãos, não tem tipo de ajuda nenhuma. Não temos um programa. Acho uma joia um dia o Brasil acordar para esse patrimônio. O petróleo é finito mas a alegria não é.

Quais são os maiores custos?

Independente da questão do dólar, os artistas chamados headliners (atrações principais) custam cada vez mais porque os festivais se proliferaram e o número de contratantes (de shows) é maior que o de bandas. Por outro lado, o pessoal que faz música no mundo ganha muito mais nas plataformas, então o dinheiro é irrelevante na conta dele.

Não era assim. Se você quisesse trazer o artista há 20 anos tinha dinheiro. Hoje não tem, tem que ralar muito. Isso reforça um pouco o meu sentimento de que o futuro dos eventos não será só de artistas como é hoje. Vai ser sobre a experiência da pessoa.

Quando foi o ponto de inflexão para os patrocinadores?

Eu estou vendo isso no The Town. Como é um mercado novo, achava que ia ser mais complexo. Ao contrário. Tem fila (de marcas interessadas). Isso faz parte também desse momento que estamos vivendo. Eu demorei a tentar convencer as marcas a usar o o Rock in Rio como conteúdo. Queria que a marca fosse uma experiência ali também. Consegui isso já há alguns anos. A marca não vai para exibir um selinho. Vai para usar a energia daquilo.

E tem uma outra questão: há um fosso social no mundo. O empresário tem que investir no social. Tem que tomar uma atitude concreta, não é ficar fazendo anúncio. Agora, em São Paulo, estou investindo em uma favela. Vai ter energia solar, esgoto, treinamento de empregabilidade. Por que faço isso? Por que acho que vou resolver a vida de 400 famílias? Não. É porque quero fazer modelo escalável

Quando se faz isso não é filantropia, é negócio. A minha marca fica mais poderosa. A visão é muito pequena ainda no empresariado. Com essa percepção, que acho míope, o empresariado não vê que você tira (alguém) da miséria e (ele) vira consumidor. Esse tipo de visão os patrocinadores do Rock in Rio de forma geral têm.


Fonte: O GLOBO