Prazo é visto por diplomatas e empresários como indicador da importância do Brasil na pauta de Pequim; expectativa é que visita seja remarcada assim que Lula esteja em condições de viajar

Porto Velho, RO
- Com o adiamento da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China por motivos de saúde, fica interrompida uma lua de mel que começou entre o Brasil e o país asiático com a eleição que deu a vitória ao petista. A expectativa entre empresários e diplomatas é de que o clima positivo da relação bilateral permita que a visita seja remarcada assim que Lula esteja em condições de viajar, para retomar um casamento que passou pelo seu pior momento no governo Bolsonaro.

Mas o prazo é visto como indicador da importância do Brasil na pauta da China.

Em meio à reviravolta causada pelo adiamento, após meses de preparação da visita, a grande dúvida agora é quando ela ocorrerá, já que a decisão depende do governo chinês. Segundo alta fonte diplomática brasileira, a rapidez com que uma nova data será marcada e sua proximidade com o período original serão um indicador do interesse chinês no Brasil, “sobre o qual até agora não parece haver dúvidas”. Se Pequim propuser uma data assim que Lula estiver recuperado, diz ele, a prioridade ficará clara.

Outros fatores, porém, podem interferir no desejo brasileiro de que isso ocorra logo.

O primeiro é o calendário diplomático concorrido do alto escalão chinês. Caso pudesse manter o plano original, Lula se encontraria nesta terça com Xi Jinping, uma deferência de Pequim ao brasileiro como o primeiro chefe de Estado a reunir-se com o líder chinês desde a recente sessão anual do Congresso Nacional do Povo (CNP, o Legislativo do país). Com o adiamento inesperado, o número um da fila passa a ser o premier espanhol, o socialista Pedro Sánchez, que deve ser recebido por Xi na próxima sexta.

A posição se deve à celebração dos 50 anos de relações diplomáticas entre Madri e Pequim, e também ao fato de a Espanha este ano exercer a presidência da União Europeia (UE). Após um período de tensões e sanções recíprocas, em que a UE definiu a China como um “risco sistêmico”, Pequim tem dado sinais de que quer melhorar as relações, para enfraquecer a aliança europeia com os EUA. O interesse não é só geopolítico. A UE é o maior mercado para os produtos chineses, com mais de 20% das exportações do país asiático.

Depois de Sánchez, o próximo chefe de Estado a visitar a China também será um europeu. O presidente francês, Emmanuel Macron, deve reunir-se com Xi no início de abril, provavelmente acompanhado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. O principal objetivo é reiterar o apelo europeu para que a China pressione a Rússia a se retirar da Ucrânia. Embora o governo chinês não dê nenhuma indicação de que esteja disposto a atender ao apelo, Pequim tenta desconstruir a ideia de que apoia a agressão russa para reaproximar-se com a UE, disse ao GLOBO um diplomata europeu.

Com uma diplomacia hiperativa intensificada pela visão de Xi Jinping de projetar o país como potência global, a China se esforça para provar que não está isolada, apesar da rivalidade crescente com os EUA. O Brasil é visto em Pequim como peça importante da estratégia de fortalecer o elo com os países em desenvolvimento. Mesmo com o adiamento da visita de Lula, alguns sinais já foram considerados uma vitória para a China.

A viagem ao país asiático logo no início do governo, bem mais cedo que em seus mandatos anteriores, já é um indício claro de que a China é prioridade para o presidente Lula, diz Zhou Zhiwei, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais, inaugurado por Lula em sua visita a Pequim de 2009. Para Zhou, se a viagem a Washington de Lula em fevereiro teve significado mais ”simbólico”, a visita à China tem potencial prático, com possível abertura de mercados para produtos brasileiros e investimentos chineses em áreas como infraestrutura, energia e indústria automotiva.

— A expectativa é que a China tenha um papel mais ativo na recuperação econômica brasileira. Até porque, nas atuais circunstâncias internacionais, é um dos poucos países que podem dar retorno positivo ao Brasil na cooperação econômica - disse Zhou.

O adiamento da visita de Lula foi lamentada em Pequim e tema de reportagens curtas na mídia estatal, que basicamente repetiram o comunicado oficial que manifestou “compreensão e respeito" pela decisão. A mensagem enviada por Xi Jinping a Lula desejando-lhe uma “rápida recuperação" foi manchete principal do Diário do Povo, jornal do Partido Comunista da China. Mas enquanto a diplomacia brasileira se recuperava do baque, a da China continuava a todo vapor e comemorava mais uma vitória para Pequim.

Honduras: avanço da diplomacia chinesa na América Latina

Com um brinde de espumante chinês, foi oficializado o estabelecimento das relações diplomáticas entre China e Honduras na manhã deste domingo, numa cerimônia em que O GLOBO foi o único veículo de imprensa estrangeiro baseado em Pequim com um repórter presente. O documento assinado pelos chanceleres dos dois países marcou o rompimento de Honduras com Taiwan, que agora só tem o reconhecimento de 13 países.

A diplomacia taiwanesa reagiu afirmando que Honduras mudou de lado ao ter negado um pedido de ajuda de US$ 2,4 bilhões. Não se sabe o que foi oferecido por Pequim para atrair o governo de Tegucigalpa.

— Hoje damos um passo histórico no processo de consolidação e fortalecimento de nossas relações internacionais — disse o chanceler hondurenho, Enrique Reina. —Honduras reconhece efetivamente que existe apenas uma China no mundo e que o governo da República Popular da China é o único governo legítimo que representa toda a China.


Fonte: O GLOBO