Ex-presidente é a primeira pessoa a ocupar a Casa Branca a se tornar réu em um processo criminal; risco de prisão, no entanto, é improvável

O Grande Júri de Nova York formalizou a denúncia contra o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pelo suposto suborno da atriz pornô Stormy Daniels na reta final das eleições 2016. Segundo promotores, o pagamento da propina teria sido para abafar o caso extraconjugal que teriam mantido dez anos antes e não prejudicá-lo nas urnas. Com a decisão, o republicano é a primeira pessoa a ocupar a Casa Branca a se tornar réu em um processo criminal.

Direito ao ponto: quais são os próximos passos do processo?

Pelo que Trump é acusado? O ex-presidente foi indiciado pelo suposto pagamento US$ 130 mil (R$ 667 mil) em propina à atriz pornô Stormy Daniels em 2016, com quem teria tido um caso extraconjugal em 2006, para abafar um possível prejuízo à sua imagem nas eleições daquele ano com a divulgação do escândalo.

Por que o indiciamento é feito por um júri e não pela Promotoria? Diferente do Brasil, em alguns estados americanos a Justiça pode convocar um Grande Júri, formado por cidadãos aleatórios, para decidir se há elementos suficientes para a abertura de uma ação criminal. É preciso que uma maioria simples seja favorável ao indiciamento para a denúncia ser formalizada.

O que acontece agora? Com decisão desta quinta-feira, o ex-presidente se torna oficialmente réu no processo criminal e deverá se apresentar à Justiça. Uma audiência de acusação será feita, onde ele será fotografado, terá as digitais colhidas e deverá declarar-se culpado ou inocente.

Trump poderá ser preso? Como o crime do qual o ex-presidente é acusado não é de natureza violenta, Trump provavelmente não ficará preso e poderá ser solto sem pagamento de fiança. A exceção acontece caso o tribunal entenda que há risco de fuga, o que parece improvável considerando que ele tem escolta permanente do Serviço Secreto americano.

E se ele não se render? A Justiça poderá pedir sua extradição da Flórida, onde vive desde 2021. A medida, contudo, teria implicações políticas, uma vez que o estado é governado pelo seu principal rival na corrida para candidato republicano nas eleições do ano que vem, Ron DeSantis.

Trump poderá continuar na corrida eleitoral mesmo sendo réu? Sim, ao contrário do Brasil, a legislação americana permite que réus em ações criminais concorram a cargos eletivos.

De acordo com o jornal americano The New York Times, ainda não está claro quando exatamente o Grande Júri — formado por 23 moradores de Manhattan, escolhidos aleatoriamente — tomou a decisão. Por lei, os procedimentos foram mantidos em segredo e a acusação sob sigilo, até que o promotor responsável pelo caso, Alvin Bragg, a anuncie publicamente.

Na Justiça americana — diferentemente do Brasil —, a Promotoria pode convocar os cidadãos para que decidam se há ou não elementos suficientes para a abertura de uma ação criminal. Apenas com uma votação favorável do Grande Júri, decidida por maioria simples, que a denúncia é formalizada. Após a acusação, por via de regra, uma ordem de prisão é emitida contra o réu.

Pré-candidato à Presidência dos EUA nas eleições de 2024, Trump foi indiciado nesta quinta-feira por supostamente ter pagado US$ 130 mil (R$ 667 mil) pelo silêncio de Stormy Daniels. O republicano nega as acusações. Uma das testemunhas-chave do processo é seu ex-advogado, Michael Cohen, que prestou depoimento ao Grande Júri. Cohen trabalhava para o republicano e disse ter feito o pagamento à atriz pornô em nome do mandatário, sendo reembolsado posteriormente

Em casos mais proeminentes, como o de Trump, o Departamento de Justiça têm por hábito contatar os advogados antes para acertar os detalhes da rendição. Um dos advogados do ex-presidente confirmou que foi informado sobre o indiciamento nesta quinta-feira.

Os advogados de Trump defendem que uma audiência de acusação seja virtual e que ele se renda discretamente, segundo o jornal The Guardian. O republicano, contudo, teria demonstrado disposição de ir ao vivo ao tribunal: seu argumento é de que "não se importa se alguém der um tiro" nele, porque isso o transformaria em um "mártir". Tanto o veículo britânico quanto o New York Times indicam que Trump "quer ser algemado" e "aceita bem" a ideia de ser fotografado pela mídia.

O promotor de Manhattan, Alvin Bragg, que está à frente do caso, pode se recusar a ordenar que o réu seja algemado ou bloquear seus planos de transformar a ocorrência em uma sessão de fotos. As razões iriam das práticas — as algemas dificultariam seu deslocamento da Flórida, onde vive desde 2021, até Nova York, em caso de riscos à segurança — às políticas, como o simbolismo das imagens e o reforço à retórica de motivação política.

O ex-presidente está em franca campanha para conquistar a vaga de candidato do Partido Republicano nas próximas eleições presidenciais, em 2024, e já declarou que vai continuar na disputa mesmo se for indiciado. Pela lei americana, ele pode concorrer no pleito mesmo sendo réu em um processo criminal.

Em 18 de março, Trump anunciou em seu perfil na rede Truth Social que seria "preso", provocando um frenesi na imprensa americana e na opinião pública. A declaração, no entanto, foi considerada pela Promotoria como uma tentativa de incitar apoiadores e motivar a interferência de parlamentares republicanos nas investigações.

A estratégia, até certo ponto, obteve sucesso: dois dias depois, três deputados republicanos iniciaram uma ofensiva contra o promotor Bragg, primeiro homem negro a chefiar a promotoria de Manhattan. Forças policiais de Nova York e outras grandes cidades dos Estados Unidos prepararam esquemas de segurança especiais na última semana, antecipando possíveis distúrbios.

Uma possibilidade improvável, mas que não deve ser descartada, é que o ex-presidente não se apresente à Justiça. Nesse caso, o tribunal poderia pedir a extradição de Trump à Flórida. O estado, contudo, é governado por seu principal rival na disputa como candidato republicano nas eleições do ano que vem e vice-líder nas pesquisas de intenção de voto, Ron DeSantis.

O governador teria poucas opções legais, mas ficaria diante de um dilema: autorizar a detenção de seu adversário, algo que inflamaria a base opositora, ou ajudá-lo. Legalmente, no entanto, seu aval é quase simbólico, já que não há muito que possa fazer para impedir a tramitação do processo com o indiciamento confirmado.

Independente de como Trump se apresente ao tribunal de Nova York, os procedimentos não mudam: ele será fotografado e terá suas digitais coletadas. Em seguida, ouvirá os chamados diretos Miranda — pela lei americana, é necessário dizer a toda pessoa detida que ela tem o direito de permanecer em silêncio e a um advogado. Ainda assim, o status de ex-presidente deve lhe render alguns benefícios, como uma sala especial ao invés de uma cela, uma vez que tem escolta permanente do Serviço Secreto americano.

Trump, então, comparecerá ao tribunal para a acusação, onde deverá se declarar culpado ou inocente. Há chances do julgamento — que será avaliado por um júri diferente do que decidiu pelo indiciamento nesta quinta-feira — coincida com a corrida eleitoral do ano que vem, considerando o atual ritmo de trabalho do tribunal nova-iorquino.

Como o crime do qual o ex-presidente é acusado não é de natureza violenta, Trump provavelmente não ficará preso e poderá ser solto sem pagamento de fiança — apenas algumas restrições — e voltar para a Flórida ainda no mesmo dia. A prisão por risco de fuga é uma possibilidade distante considerando que ele é um dos homens mais famosos do planeta.


Fonte: O GLOBO