Matrículas aconteciam, até 2020, entre dezembro, janeiro ou, no máximo, nos primeiros dez dias de fevereiro; calendário base de 2023 foi feito pela gestão passada do MEC

Monique Gonçalves Félix da Silva, de 20 anos, teve pouco tempo para comemorar a bolsa de estudos integral que conseguiu pelo Prouni para cursar Enfermagem na Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo. Mal chegou a aprovação, já passou a pensar como recuperar as aulas que tem perdido antes mesmo da matrícula. O ano letivo já começou há duas semanas e até que todo o processo de inscrição acabe ela pode perder mais duas.

— Nunca estive numa universidade antes. Por isso, queria entrar no mesmo dia que todos os outros alunos para me adaptar, fazer amizades, me familiarizar com os professores. Mas como vou entrar depois, vou perder alguns conteúdos. E vou ter que correr atrás disso, mesmo não conhecendo ninguém — conta a jovem, que já traçou uma estratégia.

O problema de Monique e de outros 273 mil novos ingressantes do Prouni neste ano é que o calendário definido pelo Ministério da Educação (MEC) avançou como nunca sobre o ano. Em toda a história do programa, criado em 2004, nunca as inscrições terminaram no começo de março, como aconteceu em 2023 — exceto em 2021, quando o Enem 2020 foi realizado só em janeiro por causa da pandemia.

A data do calendário do Prouni é encadeada com todo o processo seletivo no país, que começa com a realização do Enem do ano anterior (13 e 20 de novembro de 2022). Depois, essas provas precisam ser corrigidas e as notas liberadas (neste ano, em 09 de fevereiro) para começarem os processos seletivos.

O primeiro é o Sisu (preenchimento das vagas das universidades federais, primeira preferência dos estudantes). Neste ano, foi feito entre 16 a 24 de fevereiro. Depois, há a distribuição de bolsas de estudo pelo Prouni, cuja primeira vai de 7 a 16 de março e a segunda de 21 a 30 de março. Por fim, há a seleção do Fies, de financiamento da mensalidade, cujos resultados foram divulgados nesta terça-feira — fazendo também com que os estudantes comecem as aulas depois do ano letivo já começado.

A definição dessas datas ocorreram, inicialmente, ainda no ano passado, sob a gestão do então presidente Jair Bolsonaro. Esse primeiro calendário previa que as datas invadissem ainda mais sobre o ano em 2023. As inscrições do Prouni, por exemplo, terminariam apenas em 10 de março. A atual gestão do MEC ainda adiou uma semana e essa data passou para 3 de março.

— Vou tentar pedir pra algum aluno que entrou no início me passar a matéria, igual eu fazia na escola (risos). É que, sendo bolsista, sei que preciso ser 100% em tudo, por que se não corro o risco de perder minha bolsa — conta Silva.

O MEC informa que um estudante pode perder a bolsa do Prouni por rendimento acadêmico insuficiente, podendo o coordenador do Prouni, ouvido os responsáveis pelas disciplinas nas quais houve reprovação, autorizar, por duas vezes, a continuidade da bolsa.

Quando o programa foi criado, em 2004, as inscrições aconteceram ainda em dezembro. Até 2020, elas aconteceram entre dezembro, janeiro e, no máximo, os primeiros dez dias de fevereiro. Em 2022, elas já passaram para o final de fevereiro e, agora, chegou ao começo de março.

De acordo com o advogado especialista em questões educacionais José Roberto Covac Junior, sócio da Covac Sociedade de Advogados, as instituições de ensino superior têm feito uma recuperação com atividades para os alunos que ingressam com atraso.

— Perdendo aulas a chance de ter uma reprovação é grande, inclusive pelo número de faltas. Então sempre orientamos as instituições de ensino superior a trabalharem com um programa de recuperação de rendimento com estes alunos — afirma Covac.

Uma outra possibilidade, ele afirma, é que a instituição reserve a vaga do aluno para que ele só comece a estudar no segundo semestre.

— Mas aí o aluno perde seis meses de vida — aponta.

As instituições de ensino superior também reclamam da situação. O diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier, afirmou que tem pedido mudanças ao Ministério da Educação.

— O calendário do Prouni infelizmente tem atrasado, fazendo com que muitos alunos comecem já depois das aulas iniciadas, ou, muitas vezes, tenham o início adiado para o segundo semestre. A ABMES tem solicitado ao MEC que reveja o calendário, principalmente antecipando a prova do Enem, para que não haja mais esse prejuízo aos candidatos — afirmou.

Procurado, o MEC não respondeu os questionamentos da reportagem.


Fonte: O GLOBO