Qin Gang diz que 'percepção e as visões americana estão seriamente distorcidas' e defende parceria com a Rússia

O novo ministro das Relações Exteriores chinês, Qin Gang, disse nesta terça-feira que os Estados Unidos e a China estão caminhando para um conflito inevitável se Washington não mudar sua abordagem em relação a Pequim. Em sua primeira coletiva de imprensa após ser nomeado pelo presidente chinês, Xi Jinping, Qin afirmou que “a percepção e as visões dos EUA sobre a China estão seriamente distorcidas" e defendeu uma maior aproximação do país com a Rússia.

— Se os Estados Unidos não pisarem no freio e continuarem acelerando no caminho errado, nenhuma barreira poderá impedir o descarrilamento e certamente haverá conflito e confronto— declarou na entrevista de quase duas horas à margem do anual Congresso Nacional do Povo (CNP, o Parlamento chinês), em que respondeu a perguntas enviadas com antecedência. 

— [Os americanos] consideram a China como seu principal rival e o maior desafio geopolítico. Eles afirmam que buscam competir com a China, mas não buscam conflito. Na realidade, a chamada 'competição' dos EUA é contenção e repressão total.

As disputas entre Pequim e Washington aumentaram nos últimos anos sobre questões como Taiwan, a soberania no Mar da China Meridional, o desequilíbrio na balança comercial ou o tratamento da minoria muçulmana uigure.

Na véspera, durante um discurso no CNP, em Pequim, Xi lamentou o que chamou de repressão e contenção ocidental à China impulsionada pelos Estados Unidos e pediu ao setor privado mais inovações para que o país seja menos dependente do exterior.

— Os fatores incertos e imprevisíveis aumentaram consideravelmente para a China — declarou Xi na sessão legislativa anual em Pequim, de acordo com uma publicação da agência estatal Xinhua na segunda-feira à noite — Países ocidentais liderados pelos EUA iniciaram uma política de contenção, cerco e repressão contra a China, que provocou severos desafios, sem precedentes, para o desenvolvimento do nosso país — acrescentou o presidente de 69 anos, que deve obter um terceiro mandato durante a sessão parlamentar anual.

China e Estados Unidos travam uma batalha acirrada pela fabricação de semicondutores, componentes eletrônicos indispensáveis para o funcionamento dos smartphones, veículos conectados ou equipamentos militares.

Em nome da segurança nacional, Washington multiplicou nos últimos meses as sanções contra os fabricantes de semicondutores chineses, que agora não podem obter tecnologia americana, o que leva as empresas chinesas a redobrar os esforços para prescindir de importações cruciais.

— Diante das mudanças profundas e complexas, tanto a nível internacional quanto na China, devemos permanecer tranquilos, concentrados... atuar de forma proativa, demonstrar unidade e ousar lutar pelo sucesso — disse Xi.

"Neomacartismo histérico"

O chanceler chinês defendeu que as relações entre Pequim e Washington deveriam ser baseadas no "interesse comum e amizade, e não na política interna americana e nessa espécie de neomacartismo histérico", em referência à caça às bruxas contra o comunismo da década de 1950 nos EUA.

Na entrevista com jornalistas, o chanceler chinês também defendeu o fortalecimento das relações com a Rússia e disse que os laços entre Pequim e Moscou “são um exemplo para as relações exteriores globais”.

— Com a China e a Rússia trabalhando juntas, o mundo terá uma força motriz — disse. — Quanto mais instável o mundo se torna, mais imperativo é para a China e a Rússia avançarem constantemente em suas relações.

Qin, que foi embaixador em Washington, também lamentou as recentes acusações de alguns países ocidentais — sem provas, segundo ele — de que a China pretende fornecer armas à Rússia para a guerra na Ucrânia.

Na coletiva, o ministro disse que a China não aceitará "nem as sanções nem as ameaças" dos EUA e de seus aliados.

Qin não respondeu quando perguntaram se Xi visitaria a Rússia após a reunião anual do Congresso. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, há um ano, o presidente chinês conversou várias vezes com Vladimir Putin, mas não com o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Sem citar nomes, o chanceler também declarou que uma "mão invisível" pressionava pela escalada da guerra na Ucrânia "para servir a certas agendas geopolíticas". Qin culpou a Casa Branca pelo agravamento das relações, citando especificamente o incidente do suposto balão espião chinês, bem como tensões sobre Taiwan e a guerra na Ucrânia.

Pequim e Washington se enfrentaram nos últimos anos por causa de comércio, direitos humanos e outras questões, mas as relações pioraram ainda mais em fevereiro, quando os Estados Unidos derrubaram o balão chinês, afirmando ter sido usado para espionagem, algo que a China nega.

Altos funcionários dos EUA insistiram que a China poderia invadir Taiwan nos próximos anos, citando as manobras militares de Pequim em torno da ilha autônoma. A China considera Taiwan parte de seu território e promete retomá-la.

O incidente com o balão levou o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, a adiar uma visita diplomática a Pequim, onde trataria de uma série de questões urgentes. Posteriormente, o presidente Joe Biden se pronunciou a respeito do incidente, reiterando não querer 'guerra fria' com China.


Fonte: O GLOBO