Agência operou ferramenta que permitia, sem qualquer protocolo oficial, monitorar os passos de até 10 mil proprietários de celulares

O Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), vai solicitar que a Corte de Contas abra uma investigação sobre a compra de um sistema secreto, por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), usado para monitorar a localização de cidadãos em todo o território nacional por meio de seus aparelhos de telefones celulares. 

O subprocurador-geral Lucas Furtado afirmou que já prepara uma representação a ser apresentada até esta quarta-feira ao tribunal.

Como revelou O GLOBO, o principal órgão de inteligência do país operou, durante os três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, um sistema secreto capaz de apontar a localização de alvos pré-determinados.

A ferramenta permitia, sem qualquer protocolo oficial, monitorar os passos de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a última localização conhecida do dono do aparelho.

A ferramenta, chamada “FirstMile”, ofereceu à agência de inteligência a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. 

Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permitia rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. Com base no fluxo dessas informações, o sistema oferecia a possibilidade de acessar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços.

A agência comprou o software por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer. A ferramenta foi utilizada ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021.

A prática suscitou questionamentos entre os próprios integrantes do órgão, pois a agência não possui autorização legal para acessar dados privados. O caso motivou a abertura de investigação interna e, para especialistas, a vigilância pode ainda violar o direito à privacidade. Procurada, a Abin disse que o sigilo contratual a impede de comentar.

Após o caso vir à tona, o líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também disse que o parlamento deverá apurar o caso. O parlamenter defendeu investigação por meio da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), colegiado responsável por fiscalizar a atuação da agência, e a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).


Fonte: O GLOBO