A 'guerra fria' entre as duas maiores potências do mundo tem vários tentáculos que se estendem por Taiwan, pela guerra na Ucrânia, nas relações geopolíticas e na disputa no campo tecnológico

A deterioração das relações diplomáticas entre os EUA e a China vem crescendo com crises que se sobrepõem desde o início do ano. Depois da controvérsia sobre o suposto balão espião, que fez o secretário de Estado americano, Antony Blinken, cancelar uma visita a Pequim, os EUA acusaram a China de planejar fornecer armas para a Rússia.

Além disso, os EUA recentemente reavivaram a discussão sobre as origens específicas da Covid-19 e aumentaram sua investida contra o TikTok. A "guerra fria" entre as duas maiores potências do mundo tem vários tentáculos que se estendem por Taiwan, pela guerra na Ucrânia, nas relações geopolíticas e na disputa no campo tecnológico.

Quais os principais pontos que contribuem para um desgaste da já fragilizada relação sino-americana?

Covid-19: Os EUA afirmaram recentemente que a pandemia foi "provavelmente" causada por um incidente em um laboratório em Wuhan, na China, mas acusações semelhantes também ocorreram durante o mandato de Trump;

Balão chinês: Após sobrevoar o território americano por dias, os EUA derrubaram um suposto balão de espionagem chinês. O fato aumentou as tensões com Pequim, que descreveu a reação do governo americano como "histérica";

Taiwan: Desde a visita da ex-presidente da Câmara americana, Nancy Pelosi, no ano passado, ao anúncio recente de Taiwan sobre o estreitamento de laços com os EUA, a crise com a China envolve a soberania de Pequim sobre a ilha autogovernada;

Guerra na Ucrânia: Os EUA acusam a China de querer fornecer armas à Rússia, aliada do país, fato negado por Pequim;

TikTok: Popular entre os americanos, o TikTok se tornou uma possível ameaça à segurança nacional, alertam os EUA, acusando a empresa ByteDance de fornecer dados de usuários para o Partido Comunista;

Chips: Os EUA impuseram controles de exportação para limitar a capacidade de Pequim de comprar e fabricar chips de última geração "usados para fins militares" e tentam impedir Pequim de desenvolver sua própria indústria de semicondutores.

Covid-19

A tensão entre Estados Unidos e China por causa da pandemia atingiu seu ápice durante o governo do então presidente Donald Trump, que constantemente chamava o coronavírus de "vírus chinês". Seu sucessor no cargo, Joe Biden, determinou, em 2021, que "todas as ferramentas" fossem usadas pelas agências governamentais para descobrir qual a origem do vírus, mas até hoje não há consenso.

O diretor do FBI, Christopher Wray, afirmou na terça-feira que a agência acredita que a pandemia de Covid-19 "provavelmente" foi provocada por um incidente em um laboratório em Wuhan, China, dias após o vazamento de um relatório sigiloso do Departamento de Energia dos EUA apontar a existência de uma análise de "baixa confiança" de que um escape acidental do Instituto de Virologia de Wuhan, cidade onde foram registrados os primeiros casos, foi responsável pela crise sanitária.

Pequim reagiu acusando o governo americano de minar sua própria credibilidade com a alegação, afirmando que a considera parte de uma campanha de desinformação contra o país.

Especialistas, por outro lado, alertam para o baixo nível de confiabilidade das investigações americanas, apesar da credibilidade das agências dos EUA.

Balão chinês

Um balão chinês que sobrevoou o espaço aéreo americano levou a uma crise diplomática entre os dois países no começo de fevereiro. Enquanto os EUA afirmam se tratar de um balão de espionagem, a China alega ser um instrumento meteorológico que desviou da sua rota e viajou até o território americano. Após uma semana, o governo americano derrubou o dispositivo depois de fechar três aeroportos nos estados da Carolina do Sul e da Carolina do Norte por motivos de segurança nacional.

O chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, chegou a descrever como "histérica" a reação americana e denunciou o "protecionismo" da maior economia mundial. Os EUA acusam regularmente a China de espionagem industrial e de representar uma ameaça à sua segurança nacional. Segundo funcionários da Defesa, Pequim tem diversos balões espiões orbitando ao redor do mundo a 18 mil metros de altura. Este, no entanto, pairou sobre o território americano por muito mais tempo do que o comum.

O presidente americano chegou a afirmar que não se desculparia por ter derrubado o balão e que fará o mesmo sempre que qualquer objeto representar algum tipo de ameaça à segurança nacional. Apesar da fala contundente, Biden deixou claro que não tem interesse em travar uma nova "guerra fria" com a China e que deseja se encontrar com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, em breve.

Taiwan

Em agosto do ano passado, a visita da então presidente da Câmara dos Estados Unidos, a deputada Nancy Pelosi, a Taipé, exacerbou a tensão na já conturbada relação entre americanos e chineses no que diz respeito à ilha autogovernada de Taiwan.

A China tem como meta reunificar o território de Taiwan, um objetivo do Partido Comunista desde que os nacionalistas fugiram para ilha ao serem derrotados na guerra civil, em 1949. 

Os EUA, embora tenham se comprometido com o princípio de "uma só China" ao reatar relações com Pequim, em 1979, mantêm o apoio ao status atual da Taiwan autogovernada e fornecem ajuda militar à ilha. Não interessa a Washington uma reunificação que dê à China o controle do Estreito de Taiwan, importante via de navegação na Ásia.

Nos últimos tempos, a China aumentou a sua presença militar no estreito que separa a ilha do continente, alimentando especulações de que possa estar reunindo forças para eventualmente lançar uma invasão e reintegrar o território pela via militar. Em resposta, no mês passado, a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, anunciou que seu país fortalecerá seus laços militares com os Estados Unidos para conter o "expansionismo autoritário", depois de se reunir com legisladores americanos em visita à ilha do Sudeste Asiático.

Na terça-feira, o governo chinês pediu que os EUA "parem de semear confusão" em relação a Taiwan, afirmando que a questão é puramente assunto interno da China e que persistir nisso poderá levar a "consequências reais", informou a agência chinesa Xinhua, citando a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, Mao Ning.

Guerra na Ucrânia

A invasão da Ucrânia por ordem do presidente russo, Vladimir Putin, criou dificuldades para a China. Os líderes chineses veem a Rússia como um contrapeso vital para o poder americano, mesmo que desejem discretamente que Putin pare com sua beligerância militar.

No dia em que a invasão russa completou um ano, Pequim apresentou um documento no qual reafirma sua postura, que inclui o respeito à soberania, um chamado ao diálogo e o rechaço ao uso de armas nucleares. 

Contudo, as autoridades americanas e europeias temem que a proposta chinesa possa obter alguma força nos países não alinhados do chamado Sul global, como Índia, África do Sul e também o Brasil, que resistiram aos apelos para aderir às sanções contra a Rússia.

Nos últimos dias, Washington subiu o tom e declarou que Pequim tem a intenção de fornecer armas à Rússia, o que a China nega veementemente. Mas o próprio chefe de inteligência da Ucrânia disse que Kiev não vê "nenhuma indicação" nesse sentido.

TikTok

A rede de compartilhamento de vídeos chinesa alcançou um sucesso surpreendente em 2021 nos Estados Unidos, superando o Google em número de visitas e o YouTube em tempo de visualização, com cerca de 100 milhões de usuários no país. Tal feito é ainda mais notável por se tratar de uma empresa da China, que até então não havia conquistado tanto espaço na sociedade americana em décadas.

Nesta semana, porém, o governo americano ampliou o cerco contra o TikTok, sob a justificativa de haver preocupações com segurança relacionadas às práticas de coleta de dados por parte do aplicativo. Nesta quarta-feira, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA aprovou o projeto de lei, de 2022, que pode permitir que o presidente Biden proíba por completo o app no país. O projeto, bipartidário, ainda deve ser votado em plenária e pode ser vetado pelo democrata.

Contudo, a movimentação contra o app parece ser a tendência a ser seguida pelo governo americano. Nesta terça, a Casa Branca já havia ordenado que as agências federais removessem o aplicativo de todos os dispositivos eletrônicos do governo em um prazo de 30 dias, em cumprimento a uma proibição imposta pelo Congresso dos EUA à rede social chinesa.

Propostas semelhantes e com a mesma justificativa têm aparecido em outros países, seguindo o exemplo dos EUA. Há uma semana, a Comissão Europeia proibiu seus funcionários de usarem o TikTok. A equipe foi ordenada a excluir o app de telefones celulares e dispositivos corporativos, assim como de dispositivos pessoais. No Canadá, reguladores investigam a coleta de dados de usuários jovens pelo app.

O TikTok, por sua vez, sempre negou que compartilhe dados de seus usuários com funcionários do governo chinês. A ByteDance, empresa dona do app, já anunciou que pretende compartilhar seus algoritmos com governo americano para continuar operando no país.

Chips

Em outubro do ano passado, os Estados Unidos, em nome da "segurança nacional", anunciaram novos controles de exportação para limitar a capacidade de Pequim de comprar e fabricar chips de última geração "usados para fins militares". Washington também procurou impedir Pequim de desenvolver sua própria indústria de semicondutores.

Em dezembro, a China abriu um processo na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os Estados Unidos por causa dessas restrições.


Fonte: O GLOBO