Governador da Flórida é visto como principal oponente do ex-mandatário na disputa pela nomeação republicana para a Casa Branca nas eleições de 2024

O governador da Flórida, Ron DeSantis, rompeu com a política externa do presidente Joe Biden e de alguns de seus correligionários ao questionar o apoio inabalável dos Estados Unidos à Ucrânia diante da invasão russa. Com o posicionamento, o conservador alinha-se ao ex-presidente Donald Trump, seu principal rival na disputa para ser o candidato do Partido Republicano nas eleições do ano que vem.

DeSantis não só aprofunda um racha entre os republicanos sobre qual é a resposta mais adequada ao conflito, mas fortalece as dúvidas sobre como o apoio americano a Kiev — e aliança ocidental que Washington mobiliza — se sustentará com o avanço da corrida eleitoral. A tendência é que já a partir do fim deste ano a disputa torne-se protagonista no debate público em solo americano.

"Os EUA têm muitos interesses nacionais vitais — garantir a segurança das nossas fronteiras, responder à crise de preparação dos nossos militares, conquistar a segurança e independência energética e controlar o poder econômico, cultural e militar do Partido Comunista a China —, e se envolver ainda mais em uma disputa territorial entre a Rússia e a Ucrânia não é um deles", escreveu o governador da Flórida, cuja pré-candidatura é tida como certa, apesar de ainda não ter sido oficialmente lançada.

A declaração foi lida pelo âncora Tucker Carlson, da emissora conservadora Fox News. O jornalista enviou um questionário com perguntas sobre política externa para pré-candidatos republicanos, confirmados ou em potencial, como parte de um quadro de seu programa. Para o governador, a política de Biden é uma "distração":

"O virtual financiamento do conflito com um 'cheque em branco' do governo [de Joe] Biden pelo 'tempo que for necessário', sem objetivos definidos ou prestação de contas, é uma distração para os desafios mais urgentes para o nosso país."

Segundo DeSantis, "sem dúvidas, a paz deve ser o objetivo", mas os EUA não devem mandar soldados ou permitir aos ucranianos o engajamento operações ofensivas além de suas fronteiras, rechaçando o envio de jatos ou mísseis de longa distância. Tais medidas, disse ele, aumentariam o risco de um agravamento e deixariam o mundo mais perto de uma "guerra entre as duas maiores potências nucleares", risco que o governador classificou como "inaceitável".

Biden repete desde o início da invasão que soldados americanos ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar encabeçada pelos EUA, não serão diretamente envolvidos na disputa. Há uma preocupação em particular com cobeligerência que acirre a guerra ou leve à ativação do artigo 5º da Otan, a pedra angular que consagra o princípio de defesa coletiva do pacto — por isso, inclusive, Washington se recusa a mandar mísseis de longo alcance ou os jatos de guerra.

Troca de farpas

Trump também respondeu ao questionário, repetindo comentários frequentes como "ambos lados estão cansados e prontos para fazer um acordo" e "morte e destruição devem parar agora". Anteriormente, o ex-presidente já havia dito que deixaria a Rússia "tomar partes" do território ucraniano em um pacto negociado.

Segundo o monitoramento da firma Morning Consult, Trump é o favorito para abocanhar a nomeação republicana no ano que vem, com 52% de intenção de voto entre os filiados do partido, contra 28% de DeSantis.

É um sinal positivo para o ex-presidente, apesar de o processo de escolha, contudo, não ser por votação direta, mas por primárias nos estados — cada unidade federativa tem um número de delegados, que os representam na convenção partidária que confirma a candidatura.

Ao ser questionado por repórteres na segunda se considera o governador da Flórida seu maior adversário, Trump disse que "provavelmente sim, mas nunca se sabe", completando que a situação pode mudar e que crê que não enfrentará muitos desafios. Horas depois, foi indagado sobre as respostas que o adversário deu ao questionário da Fox News:

— Tudo que eu quero ele quer agora — respondeu Trump ao retornar de um evento de campanha em Iowa, onde DeSantis esteve na semana passada.

Menos afeito ao espetáculo que Trump, DeSantis talvez seja ainda mais conservador e estratégico que o rival — mesmo que o partido opte por uma mudança, portanto, ela não deve ser em direção ao centro.

O governador ganhou ainda mais projeção nacional ao proibir conversas sobre identidade sexual e de gênero nas escolas, se opor a restrições pandêmicas e ao enviar 50 imigrantes de avião para uma ilha democrata em Massachusetts para denunciar a política de imigração de Biden.

Ajuda em risco

A noção de que Biden ajuda demasiadamente Kiev cresce entre o eleitorado que Trump e DeSantis buscam mobilizar. Uma pesquisa feita em janeiro pelo Centro de Pesquisa Pew mostrou que 40% dos eleitores republicanos ou com tendências republicanas creem que os EUA dão apoio demasiado a Kiev. Em março do ano passado, mês seguinte à invasão, só 9% dos entrevistados tinha tal opinião.

Para ambos os candidatos, o foco da política externa parece ser cada vez mais conter a ascensão da China e sua ameaça à hegemonia americana, prosseguindo a guerra comercial intensificada por Trump e mantida por Biden. Em sua resposta a Fox News, DeSantis disse:

"As políticas do governo de Biden levaram a Rússia para uma aliança de facto com a China. Porque a China não aderiu e não vai aderir ao embargo, a Rússia aumentou sua receita vinda do exterior enquanto a China se beneficia com combustíveis mais baratos."

Carlson, o popular âncora para quem as respostas foram enviadas, é um dos mais ardentes opositores do envolvimento americano na Ucrânia — já chamou o presidente Volodymyr Zelensky de "anti-herói" corrupto, por exemplo. 

Ele é citado no processo que a fabricante de urnas eletrônicas Dominion Voting Systems move contra a Fox News, acusando a emissora de difamação por dizer sem embasamento que os equipamentos eleitorais foram fraudados para beneficiar Biden na eleição de 2020.

A mudança da opinião pública coincide com a fadiga após um ano de guerra, período no qual os americanos enviaram mais de US$ 70 bilhões (R$ 366,9 bilhões) em ajuda à Ucrânia, incluindo cerca de US$ 46,6 bilhões (R$ 244,3 bilhões) em ajuda militar, segundo estimativas do Council on Foreign Relations. As armas americanas e a aliança de aliados ocidentais que Washington encabeça é essencial para a resistência de Kiev, cujo arsenal se esgotou ainda nos meses iniciais da guerra.

Distanciamento

Em solo ucraniano, a pressa para a resolução do conflito passa também pela disputa eleitoral americana. Temem não só o triunfo de um governo menos afeito à Ucrânia — o bom relacionamento cultivado por Trump e Vladimir Putin, em particular, acende o alerta —, mas também que a longa corrida eleitoral americana desvie as atenções do conflito.

A votação é só em novembro de 2024, mas a disputa pela nomeação republicana deve começar a dominar os noticiários americanos já no segundo semestre. O primeiro debate entre os pré-candidatos está marcado para agosto deste ano.

A dupla de favoritos, contudo, se distancia do resto do campo de adversários, onde predominam as críticas de que Biden não faz o suficiente para ajudar Kiev. Entre eles, o ex-vice-presidente Mike Pence, a ex-embaixadora na ONU, Nikki Haley, e o ex-governador de Nova Jersey, Chris Christie. O influente líder da minoria no Senado, Mitch McConell, também compartilha da opinião.

Todos demandam que Biden envie armas mais letais e em ritmo mais veloz para ajudar o país de Zelensky, caracterizando a guerra como uma disputa pela liberdade. Pence, por exemplo, se refere à guerra com tons religiosos, usando versos bíblicos para comentar o primeiro aniversário do conflito no mês passado antes de afirmar que Washington apoiará os ucranianos "até que a luz desperte em uma vitória". (Com Bloomberg)


Fonte: O GLOBO