Objetivo da procuradoria é determinar dimensão da tragédia e o grau de envolvimento de cada agente público

O Ministério Público Federal (MPF) de Roraima instaurou um inquérito civil para apurar as causas e os impactos do “genocídio ianomâmi” e do “descumprimento de decisões judiciais” que visavam a proteção do povo indígena por autoridades do governo federal.

No despacho, assinado na última segunda-feira (30) e obtido com exclusividade pela equipe da coluna, o procurador Alisson Marugal diz que o objetivo da apuração é determinar a dimensão da crise humanitária e o grau de envolvimento de cada agente público.

Na esfera cível, a procuradoria apura ilícitos como a desassistência à saúde dos ianomâmis para definir uma futura reparação ao povo indígena pela violação de direitos humanos.

Já na esfera penal, o procurador salienta na decisão que a apuração do crime de genocídio e seus possíveis agentes já estão sob investigação da superintendência da Polícia Federal no estado, aberta por determinação do Ministério da Justiça.

O MPF agiu a partir de uma representação da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), subscrita por toda a bancada do PSOL, e outras três ações de teor semelhante dos colegas de Câmara Reginaldo Lopes (PT-MG) e João Daniel (PT-SE), além da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Célia Xakirabá vem do território indígena de mesmo nome no norte de Minas Gerais e faz parte da chamada "bancada do cocar" na Câmara .

As ações unificadas pela procuradoria roraimense elencam como possíveis responsáveis pela tragédia ianomâmi o ex-presidente Jair Bolsonaro, a senadora e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves (Republicanos-DF), o ex-presidente da Funai Marcelo Xavier e diversos outros integrantes do governo passado.

Ao justificar a abertura do inquérito, Marugal argumenta que o MPF possui mandato constitucional para proteger os povos indígenas no Brasil e, no caso de Roraima, a procuradoria dispõe de “vasto acervo probatório” das omissões do Estado brasileiro e seus agentes no contexto ianomâmi - anteriores, inclusive, à repercussão nacional do caso.

“Tal acervo revela um panorama claro de generalizada desassistência à saúde, sistemático descumprimento de ordens judiciais para repressão a invasores do território indígena e reiteradas ações de agentes estatais aptas a estimular violações à vida e à saúde” dos ianomâmis, destacou o procurador.

Entre as evidências estariam “relatórios, audiências, reuniões e informações prestadas nas diversas ações e procedimentos” que tramitam no MPF-RR e corroboram que “as autoridades com dever de agir tinham pleno conhecimento da sistemática e generalizada violações de direitos” no território ianomâmi.

“Apesar disso, deixaram de agir preventivamente, não planejaram ações de repressão a invasores do território indígena e, quando obrigadas por determinação judicial, elaboraram planejamentos inadequados que jamais foram executados integralmente”, além de “terem estimulado atividades ilegais por meio de declarações públicas favoráveis à mineração em terra indígena e através de legislações que, na prática, empoderaram organizações criminosas”.

Na última terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto restringindo o espaço aéreo das terras ianomâmis, que estão sob responsabilidade da Aeronáutica, para prevenir a entrada de garimpeiros e outros grupos criminosos.

Além disso, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) restringiu acessos terrestres e proibiu a entrada de bebidas alcoólicas, usualmente utilizadas para ludibriar indígenas, e de pessoas com porte de armas.


Fonte: O GLOBO