O Ministério Público Militar (MPM) decidiu manter sob sigilo as apurações envolvendo a participação de integrantes das Forças Armadas nos atentados golpistas de 8 de janeiro, que culminaram com a invasão e a depredação da sede dos três poderes, em Brasília.

A equipe da coluna recorreu à Lei de Acesso de Informação (LAI) para tentar obter acesso à íntegra das apurações preliminares (“notícias de fato”, no jargão jurídico) e dos inquéritos policiais militares que estão no MPM no bojo das investigações dos atos antidemocráticos que chocaram o País.

Os dois pedidos foram negados sob a alegação de que os casos “tramitam sob sigilo”, “em razão da existência nos autos de documentos classificados com acesso restrito pelos órgãos até então demandados, o que impede o deferimento de seu (sic) solicitação”.

Até o início do mês, o MPM já havia aberto oito apurações preliminares contra oficiais que participaram dos atos golpistas do mês passado.

A equipe da coluna apurou que ao menos quatro dessas apurações tratam da participação de militares nos atos. Um outro caso trata especificamente da atuação do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e do 1º Regimento de Cavalaria de Guarda (1º RCG), responsáveis pela segurança do Palácio do Planalto.

O envolvimento de militares na fuga de manifestantes após participação dos atos antidemocráticos em Brasília também é tema de uma outra frente de investigação em andamento no MPM.

Só que a relação completa de investigados ou os indícios de crimes cometidos por cada um seguem sendo um mistério, apesar do interesse público em torno do tema.

“O MPM erra ao impor sigilo total às notícias de fato e prejudica o acompanhamento das ações do órgão em relação ao 8 de janeiro. As notícias de fato são, essencialmente, denúncias apresentadas ao órgão por qualquer pessoa ou outro órgão. Elas não são ainda procedimentos de investigação, e não necessariamente darão origem a um”, opina a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji.

“No caso dos inquéritos policiais militares, o sigilo faz sentido sobre os que estão em andamento, para não prejudicar as apurações. A partir da conclusão delas, porém, o sigilo deve ser aplicado a uma ou outra parte do documento (dados pessoais, informações relacionadas a outras investigações ainda em curso).”

Até agora não foi oferecida nenhuma denúncia formal contra os investigados.

Para o advogado Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj, o sigilo é exceção e só se justifica quando ainda houver diligências em curso, para não comprometer o êxito das investigações.

“Mesmo assim, o fato de haver determinados documentos ‘classificados com acesso restrito’ não deveria servir como escudo para não compartilhar parte das investigações”, ressalta

Questionado a respeito pela equipe da coluna, o MP Militar respondeu apenas que “poderá dar publicidade do resultado” das investigações.

O MPM já recebeu um inquérito policial militar concluído pelo Comando Militar do Planalto, que indiciou o coronel da reserva Adriano Testoni por ofensas contra as Forças Armadas e injúria contra os integrantes do Alto Comando da Força Terrestre.

“Bando de generais filhas da p***. Vão tudo tomar no c*. Vanguardeiros de merda. Covardes. Olha o que está acontecendo com a gente”, disse Testoni ao participar dos atos antidemocráticos, ao lado de uma manifestante que ele identifica como sua mulher. “Esse nosso Exército é uma merda”.

No início do mês, o MP Militar divulgou nota alegando que “a velocidade da investigação não segue o ritmo acelerado das notícias ou das injunções políticas, sob pena de solapar os direitos fundamentais envolvidos, seja dos investigados, seja da própria sociedade, que confiou ao Ministério Público a sua missão constitucional de titular exclusivo da ação penal pública, infensa a processos kafkanianos”.


Fonte: O GLOBO