Ofícios trocados entre prefeitura de São Sebastião e estado durante seis anos mostram que não avançaram tratativas para retirar 448 casas do Parque da Serra do Mar

As moradias que desabaram na Vila Sahy, em São Sebastião (SP), estavam no centro de uma negociação entre a prefeitura da cidade e o governo de São Paulo desde 2017. Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que, segundo a gestão municipal, pelo menos 448 casas da vila estavam dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, área de proteção integral. 

Um projeto para reassentamento da população teria sido protelado, conforme mostra troca de ofícios que duraram seis anos, entre as duas esferas de governo.

Num ofício, o prefeito Felipe Augusto cobra da Casa Civil, em março de 2018, o início do projeto da Vila do Sahy. Nele, o tucano admite riscos de deslizamentos e pede informações sobre o andamento do que teria sido negociado em reunião com o governo do estado em 9 de novembro de 2017. Nele, o prefeito listava como regiões prioritárias a Vila Sahy, a Vila Tropicanga, em Boiçucanga, e o Sertão de Maresias.

"O empreendimento habitacional a ser implantado na Vila Sahy é de fundamental importância para reassentar os moradores residentes dentro da área do Parque Estadual da Serra do Mar e em áreas consideradas de risco de inundação e deslizamento do município", escreve o prefeito, listando como prioritárias a Vila Sahy, a Vila Tropicanga, em Boiçucanga, e o Sertão de Maresias — sendo o terceiro uma área longe da praia e do lado oposto da rodovia.

Um documento enviado pelo superintendente de projetos Metropolitanos, Recuperações Urbanas e Demandas Específicas, Renato Mario Daud, da CDHU, citava a existência de 624 edificações na Vila Sahy, sendo 542 cadastradas e 82 não cadastradas.

Daud informou à prefeitura que, para a implementação das propostas que “visam à mitigação dos riscos geotécnicos, implantação de infraestrutura de saneamento e a requalificação urbanística do núcleo”, seria necessário remover 149 edificações:

“Um estudo preliminar realizado pela projetista contratada por esta companhia aponta potencial de construção de cerca de 80 unidades habitacionais no terreno que faz divisa com a porção oeste do núcleo”, diz o superintendente em documento de maio de 2017.

Apesar do estudo em andamento, um outro ofício encaminhado em 19 de março de 2019 mostra que o projeto não saiu do papel: o prefeito pede ao secretário de Habitação do governo paulista a “retomada dos investimentos” e a “liberação de construção de moradias” no município de São Sebastião por intermédio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU.

Em 2020, o então governador João Doria chegou a extinguir a CDHU, no bojo de um projeto de ajuste fiscal. A CDHU é a companhia habitacional do governo do estado e o governo argumentava que os estímulos dados à iniciativa privada para construção de casas populares e as parcerias público-privadas na área de habitação eram suficientes para atender a demanda, não sendo mais necessária atuação direta do estado na construção de moradias sociais. 

A extinção chegou a ser aprovada na Assembleia Legislativa do Estado, mas não vingou.

Felipe Augusto afirma que a falta de recursos e a descontinuidade de programas da gestão estadual afetaram “diretamente” o município de São Sebastião. Dos seis empreendimentos previstos, somente um, na Enseada, costa Norte da cidade, foi concluído. Os demais passaram por reformulação ou paralisação. O chefe do Executivo Municipal cita que o empreendimento na Barra do Sahy é “o mais adiantado”.

“Possui projeto de urbanização em desenvolvimento pela CDHU, em fase final de revisão, aguardando liberação de recursos para conclusão do processo de desapropriação do terreno, continuidade do projeto, orçamento e execução das obras”, diz o ofício, acrescentando que implantação dos empreendimentos, além de promover o reassentamento habitacional, iria recuperar a conservação das áreas ambientais protegidas da Serra do Mar.

Em denúncia pelas redes sociais, o ex-secretário executivo da Habitação do estado de São Paulo e deputado federal Fernando Marangoni (União Brasil) disse que o projeto de 2017 foi retomado no ano passado, sem ônus para o município. Ele afirma que o convênio com a CDHU para a construção de moradias populares estava pronto e “parado” na prefeitura há mais de menos seis meses.

"Queriam assinar o convênio em cima da hora e a qualquer custo porque Marangoni estava se afastando do governo para se candidatar a deputado federal. Não houve explicação de onde viriam os recursos e o terreno apontado aparentava não estar em valor de mercado. A preocupação de Marangoni era com a foto, para explorar politicamente. A preocupação do prefeito era com a lisura, a viabilidade e a regularidade do projeto, que demandava revisão", rebate Arthur Rollo, advogado do prefeito de São Sebastião.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH) informa que o governo do estado entregou 9.300 moradias desde 2013 — ou 1.033 por ano. Destas, 2.683 no litoral Norte, sendo 166 em São Sebastião.

A atual gestão transformou a antiga Secretaria da Habitação em Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação e pretende criar um programa de ações integradas no litoral. Por enquanto, identificou três terrenos com metragem total de 31 mil m² em São Sebastião — bairro da Topolândia, Maresias e Vila Sahy - para construir moradias para os desalojados e desabrigados. As moradias devem ser em terrenos planos, sem risco geológico e com a infraestrutura e equipamentos públicos.


Fonte: O GLOBO