Em jogo estão o comando de futura frente parlamentar e de comissão dos povos originários na Câmara

A nova legislatura do Congresso Nacional já começará os trabalhos nesta quarta-feira (1) em meio a uma disputa pelo controle da pauta indígena entre parlamentares ligados à chamada “bancada do cocar” e bolsonaristas vinculados ao garimpo.

Antes mesmo do início da legislatura, dois deputados já disputam a paternidade da frente parlamentar indígena a ser instaurada no Congresso: Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Coronel Chrisóstomo (PL-RO).

A possibilidade de criação de uma Comissão dos Povos Originários na Câmara, que vem sendo cogitada por Arthur Lira também tem movimentado essas lideranças. Com a crise humanitária dos ianomâmis dominando a agenda do governo Lula, a disputa pela narrativa política das questões indígenas terá importância estratégica nesta legislatura.

Ao todo, quatro deputados indígenas tomam posse na quarta-feira: Célia Xakriabá, Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Sônia Guajarara (PSOL-SP), que se licenciará do cargo automaticamente por ter assumido o Ministério dos Povos Indígenas do governo Lula.

Waiãpi (PL-AP), outra estreante no Congresso, indígena e militar, é investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito que apura os responsáveis pelos atentados bolsonaristas do 8 de janeiro.

Apesar da bancada diminuta, a briga tem o potencial de definir o domínio sobre pautas históricas do movimento, como a demarcação de territórios e o combate ao garimpo e à grilagem ilegais.

Chrisóstomo, coronel do Exército que foi reeleito deputado e defende pautas ligadas ao garimpo, protocolou no dia 24 de janeiro o pedido de registro da frente parlamentar. Pelas regras da Câmara, o autor do requerimento tem preferência para comandar a frente parlamentar.

Já Célia, que foi eleita pela primeira vez e só assume o mandato nesta quarta (1), correu para protocolar seu próprio pedido antes mesmo da posse, nesta terça-feira (31).

Para se diferenciar do requerimento de Chrisóstomo, ela propôs a criação de uma frente parlamentar indígena mista - ou seja, formada por deputados e senadores.

Se ela conseguir apoio de pelo menos 198 parlamentares (senadores ou deputados), o equivalente a um terço do Congresso, poderá conseguir criar a frente antes de Chrisóstomo virar presidente. Ele, por sua vez, precisa do apoio de 171 deputados, um terço da Câmara.

Célia Xakriabá vem do território indígena de mesmo nome no norte de Minas Gerais e faz parte da "bancada do cocar", como se autodenomina o grupo de mulheres indígenas eleita pela Câmara . "Vamos mostrar que não precisamos mais de colonizadores representando nossa luta", diz ela sobre a disputa pelo comando da frente.

Já Chrisóstomo foi o número dois de Carla Zambelli (PL-SP) na presidência da Comissão de Meio Ambiente. O deputado se apresenta no site da Câmara como filho de mãe indígena, mas se autodeclarou pardo no registro de sua candidatura.

No último mandato, atuou em defesa de pautas de interesse do garimpo na Câmara e é tido como aliado dos grileiros de Rondônia em Brasília.

Embora oficialmente cumpram a função de fóruns para debates temáticos, as frentes parlamentares podem deter grande poder sobre a agenda do Congresso, como é o caso dos evangélicos e do agronegócio.

O órgão terá importância estratégica no governo Lula, que já sinalizou com a demarcação de 13 novas terras indígenas já neste mês, e já nasceria sob intensos holofotes diante dos desdobramentos da crise sanitária nas terras ianomâmis.

Se a gravidade do caso já não bastasse, a abertura de investigação de integrantes do governo Bolsonaro por crime de genocídio contra indígenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última segunda-feira deixou claro que o assunto não sairá da pauta em Brasília tão cedo.

Outra preocupação dos parlamentares ligados à causa indígena é a possibilidade do desmembramento da Comissão de Direitos Humanos para a criação de uma Comissão dos Povos Originários.

A proposta já foi aventada por Arthur Lira em reuniões com as futuras bancadas estaduais como parte de sua campanha à reeleição, mas é interpretada como uma moeda de troca para deputados que apoiem sua candidatura.

O temor é que a comissão acabe ocupada por bolsonaristas que transformem o colegiado em um contraponto ao Ministério dos Povos Indígenas no cenário em que o movimento ainda representa um grupo muito pequeno entre os 513 parlamentares.

A própria nomeação de Sonia Guajajara para a pasta foi alvo de debates dentro do movimento indígena. Isso porque, para assumir o ministério, ela precisaria se licenciar da Câmara, reduzindo ainda mais o quórum da “bancada do cocar” na Casa em uma legislatura de maioria conservadora.

É de olho nesta influência que deputados bolsonaristas se articulam, numa tática já utilizada por Jair Bolsonaro ao longo de seu mandato.

O então presidente, defensor da mineração em terras indígenas e crítico histórico da política de demarcação, chegou a levar uma indígena bolsonarista para a Assembleia-Geral da ONU em uma tentativa de convencer a comunidade internacional de que os povos da Amazônia estariam divididos quanto à estratégia de preservação.

Na mesma ocasião, Bolsonaro fustigou o cacique Raoni Metuktire, liderança reconhecida internacionalmente que, quatro anos depois, subiria a rampa do Palácio do Planalto de braços dados com Lula na posse do petista.

Nós procuramos o deputado Coronel Chrisóstomo pelo telefone de seu gabinete, mas não conseguimos contato.


Fonte: O GLOBO