Segundo O GLOBO apurou, medida de 2019 continua vigente; embaixadora de Juan Guaidó encerra sua missão no Brasil em 26 de dezembro

Porto Velho, RO
- O modelo de convite que será enviado a chefes de Estado estrangeiros para participarem da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, está pronto e aprovado, confirmaram fontes do governo de transição. A lista será longa, e um dos presidentes que Lula pretende incluir está atualmente impedido de entrar no Brasil por uma portaria de 2019, assinada pelos ex-ministros da Justiça, Sergio Moro, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo: o venezuelano Nicolás Maduro.

A relação com a Venezuela vai mudar drasticamente com a volta de Lula ao poder. O governo interino de Juan Guaidó deixará de ser reconhecido como legítimo e, ciente disso, sua embaixadora no Brasil, Maria Teresa Belandria, já informou ao corpo diplomático estrangeiro em Brasília sua decisão de encerrar sua missão no país em 26 de dezembro. Belandria, reconhecida como embaixadora legítima da Venezuela em 2019, decidiu sair antes da posse de Lula, ainda como embaixadora, seguindo as regras do protocolo diplomático e por sua própria decisão, sem esperar uma ação do governo eleito.

Segundo O GLOBO apurou, a lista de venezuelanos proibidos de entrar no país pelo governo Bolsonaro inclui mais de 100 nomes, entre eles o de Maduro. Ela foi elaborada com base numa portaria ainda vigente: a Portaria Interministerial Número 7, de 19 de agosto de 2019, baseada, entre outros, em artigos da Constituição brasileira, resoluções da Organização de Estados Americanos (OEA), do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e em declarações do extinto Grupo de Lima (criado em 2017 por 14 países para monitorar a crise em Caracas e, na prática, respaldar a oposição venezuelana).

O artigo 1º da portaria estabelece "o regramento para efetivação de impedimento de ingresso no país de altos funcionários do regime venezuelano, que, por seus atos, contrariam princípios e objetivos da Constituição Federal, atentando contra a democracia, a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos”. A portaria informa, ainda, que "os nomes das pessoas de que trata o caput constarão de rol taxativo a ser elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores e, posteriormente, encaminhado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública”, e determina que "as pessoas listadas no rol taxativo de que trata o art. 1º não poderão ingressar no território nacional”.

O assunto ainda não foi discutido em contatos entre o governo de transição e o Itamaraty, mas a decisão de convidar Maduro está tomada e o conflito deve surgir nos próximos dias. Fontes do governo de Jair Bolsonaro afirmaram que “a lista tem seus fundamentos e, para o atual governo, esses fundamentos não mudaram”.

A bom entendedor, poucas palavras. Se o governo Bolsonaro não retirar o nome de Maduro da lista — o que parece altamente improvável — o presidente venezuelano não poderá estar presente na posse de Lula. Poderia vir depois, se o governo eleito, uma vez no poder, anular a portaria.

A famosa lista de 2019 já foi driblada por dirigentes chavistas recentemente, o que causou um profundo mal-estar no Itamaraty. Em maio passado, María Iris Varela Rangel, vice-presidente da Assembleia Nacional e ex-ministra de Assuntos Penitenciários, acusada no âmbito da OEA de crimes de corrupção e violações dos direitos humanos — com base num relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos — não só entrou no Brasil, como foi recebida por altas autoridades do Congresso Nacional, além de ter mantido encontros com partidos políticos como PT e PSOL.

Maria Íris está na lista elaborada em 2019, no entanto conseguiu entrar no Brasil com um passaporte diplomático, num voo com escala no Panamá. Dias depois, a dirigente chavista foi barrada no aeroporto internacional de Ezeiza, em Buenos Aires.

Na época, o Itamaraty, procurado pela coluna de Malu Gaspar, disse não reconhecer a legitimidade da delegação e que, “sem prejuízo da autonomia do Congresso Nacional”, a visita de Maria Íris e de dois outros deputados contraria “a orientação da política externa brasileira de não manter contatos com o regime ilegítimo de Nicolás Maduro”. Sobre a entrada da deputada venezuelana ao país, a pasta frisou que “não é responsável pelo controle do ingresso de estrangeiros no território brasileiro”.

Outras situações ocorreram com cidadãos venezuelanos após a decisão do governo Bolsonaro de fechar a Embaixada em Caracas, todos os consulados no país, aderir a resoluções da OEA contra dirigentes chavistas e reconhecer como legítimo o governo interino de Juan Guaidó. Após a Venezuela doar tubos de oxigênio ao estado do Amazonas durante a pandemia, o governo estadual cogitou convidar o general venezuelano Justo Nogueira Pietro, então governador do estado de Bolívar, para uma visita.

A informação chegou a representantes de Guaidó no Brasil, foi dado um alerta e o general foi desconvidado. Nogueira Pietro foi comandante da Guarda Nacional Bolivariana e é um dos acusados de ter cometido violações dos direitos humanos contra manifestantes da oposição em 2014. Seu nome está entre os que estão sendo investigados no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, numa denúncia ainda em fase preliminar sobre supostos crimes de lesa-Humanidade na Venezuela. Iris Varela também é investigada pelo TPI.

Na posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, por um erro que custou caro ao diplomata que na época estava no comando do cerimonial do Palácio do Planalto, Maduro foi convidado. Quando o erro foi detectado, o presidente venezuelano foi retirado da lista, o diplomata foi afastado e o posto foi assumido pelo atual chanceler, Carlos França. O mesmo que, agora, como ministro prestes a deixar o cargo, deverá lidar com a questão Maduro.

O governo eleito pretende recompor a relação com a Venezuela de forma imediata. O envio de um embaixador a Caracas pode demorar algum tempo, já que é necessária aprovação do Senado. Mas a ideia é reabrir a embaixada e os consulados o mais rápido possível, para que os brasileiros que vivem no país não precisem mais recorrer aos consulados na Colômbia. O mais provável é que seja enviado um encarregado de negócios ao país, até que um novo embaixador possa assumir o posto.


Fonte: Agência Brasil