Bloco governista impõe maioria na Câmara dos Deputados para aprovar mudanças em leis secundárias que retiram poderes do Instituto Nacional Eleitoral

A reforma eleitoral do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, não foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas seu "plano B" sim. Após uma extensa sessão no Legislativo, que começou na tarde de terça-feira e terminou na madrugada desta quarta, o Morena, o partido do presidente, e seus aliados impuseram sua maioria para realizar duas votações. A primeira derrotou a proposta inicial por 225 votos contra, 269 a favor e uma abstenção — eram necessários dois terços da Casa para aprovar a emenda. Mas o Morena conseguiu que o "plano B" do presidente fosse aprovado na madrugada desta quarta-feira por 267 votos a favor e 221 contra.

Um dia antes, antecipando a derrota, o Executivo apresentara uma nova iniciativa para modificar leis secundárias, uma vez que não teria votos suficientes para mudar a Constituição. A reforma de leis secundárias requer apenas o voto da maioria simples dos deputados, que o Morena e seus aliados detêm.

O projeto rejeitado buscava reduzir o tamanho da entidade que organiza as eleições e determinava que os membros do Instituto Nacional Eleitoral (INE) fossem eleitos por voto popular e não por partidos. Também propunha a redução do número de legisladores: os deputados federais passariam de 500 para 300 e os senadores, de 128 para 96.

Sabendo que o projeto não seria aprovado, Adán Augusto López, secretário do Interior e principal assessor político do presidente, entregou uma nova proposta à Câmara dos Deputados na terça-feira.

— É claro que uma reforma constitucional não é o mesmo que uma reforma legal — disse o presidente em entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira, após os resultados. — A reforma da lei já foi aprovada, mas é limitada porque não pode contrariar o que está na Constituição, então são margens muito estreitas. Porém, com essas margens sem ferir a Constituição, conseguiu-se a aprovação da lei eleitoral na Câmara dos Deputados.

A segunda tentativa está esboçada em um documento de mais de 300 páginas, votado em uma maratona que durou a noite de terça-feira e parte da madrugada de quarta. “Estabelecem-se limites para a atuação arbitrária do INE e do Tribunal Eleitoral em interpretações alheias à lei que limitem a liberdade de expressão, os direitos político-eleitorais, a autodeterminação dos partidos políticos, entre outros” , diz a iniciativa de López Obrador à qual o El País teve acesso.

Outra medida proposta no pacote aprovado é a proibição à propaganda eleitoral de "caluniar pessoas, partidos políticos ou governos emanados destes". Também se propõe ter definições mais específicas sobre crimes eleitorais — sobretudo sobre a entrega de benefícios ou dinheiro para condicionar o voto dos cidadãos — e a modificação do calendário eleitoral, para compactar os pleitos.

Os últimos ajustes no projeto presidencial foram feitos às pressas no último fim de semana, uma resposta direta ao naufrágio causado pelo bloco de oposição, que se uniu para conter a iniciativa constitucional do presidente.

O Morena insiste que o órgão eleitoral é oneroso e pretendia reduzir o seu “aparelho burocrático”, numa economia, segundo o partido, de de 3,6 bilhões de pesos (R$ 950 milhões). Segundo a oposição, no entanto, a proposta inicial ameaçava a independência da instituição. López Obrador já acusou o INE de ter apoiado duas supostas fraudes que o teriam privado da Presidência em 2006 e 2012.

“No INE não se mexe!”, gritavam os legisladores da oposição após a primeira votação. Os deputados do Morena, por sua vez, tacharam seus adversários políticos de "traidores da Pátria" e os condenaram ao "julgamento da História".

O resultado é uma vitória para cada lado. É, sobretudo, um prêmio de consolação para López Obrador, que elevou a reforma eleitoral ao topo de sua lista de prioridades no Legislativo e teve que se contentar com mudanças nas leis secundárias aprovadas quase no fim do período regular de sessões, que termina em 15 de dezembro. O pacote ainda precisa ser aprovado no Senado, mas a oposição já deixou claro que vai recorrer à Suprema Corte contra diversos dispositivos, caso a Câmara Alta dê sua aprovação final.

A reforma eleitoral está sendo acompanhada de perto pela população. Há um mês, dezenas de milhares de pessoas protestaram na Cidade do México em repúdio à proposta inicial de López Obrador, rejeitada pelo Congresso. Quinze dias depois, López Obrador liderou uma outra marcha na capital que contou com a presença de centenas de milhares de apoiadores. O INE reagiu e impôs medidas cautelares à prefeita da capital, Claudia Sheinbaum, em resposta a uma denúncia de campanha eleitoral antecipada.

O pano de fundo para o sucesso ou fracasso de López Obrador continua sendo três fatores-chave nas urnas: as eleições estaduais em Coahuila e no Estado do México, em junho de 2023, e a disputa presidencial em julho de 2024. No próximo mês de abril, quatro dos 11 representantes do INE serão renovados.

— Isso está apenas começando — disse o presidente.


Fonte: O GLOBO