Presidente ficará na capital por família e oposição a Lula; com contas bloqueadas, sigla pode ter dificuldade de honrar compromissos

O presidente Jair Bolsonaro decidiu que continuará em Brasília após deixar o governo e deverá morar em uma casa bancada por seu partido, o PL, do qual será presidente de honra.

Integrantes do PL disseram reservadamente que a intenção do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, é pagar a Bolsonaro um salário equivalente ao teto constitucional do setor público, que hoje está em R$ 39,2 mil.

Dessa forma, a previsão é que Bolsonaro tenha uma renda mensal próxima de R$ 85 mil a partir de 2023. Isso porque ele também tem direito a aposentadorias de militar (R$ 11.945,49) e de deputado federal, no valor de R$ 33.763.

Os planos que envolvem os gastos bancados pelo partido, contudo, enfrentam um obstáculo: o bloqueio de contas do PL pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, após a sigla ter sido multada em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé pela ação golpista que visava invalidar votos depositados em parte das urnas no segundo turno das eleições.

O PL entrou com recurso, que ainda não foi julgado. Segundo integrantes da legenda, o partido está enfrentando dificuldades em alguns diretórios para pagar salários de funcionários e demais contas. Assim, se não houver desbloqueio no julgamento do TSE, o aluguel da casa do presidente pode ficar prejudicado.

Uma portaria publicada pelo governo Bolsonaro em maio deste ano permitiu uma espécie de teto duplo. Ela estabelece que o abatimento só será aplicado para cada rendimento e não mais para a soma de tudo que a pessoa recebe do governo federal.

Com isso, militares da reserva puderam somar as aposentadorias aos seus salários da ativa. Além disso, os rendimentos que Bolsonaro receber do PL não entram no teto, porque são de origem privada.

Integrantes do partido dizem ainda que o mandatário deve ter sua própria equipe dentro da sigla, inclusive com uma assessoria de comunicação própria.

O candidato a vice na sua chapa, general Braga Netto, também terá um cargo, salário e funcionários contratados pelo PL. Segundo interlocutores, ele deve levar cerca de quatro assessores para a sigla.

De acordo com aliados, o chefe do Executivo quer permanecer perto de sua família.

Eles dizem que a filha mais nova do mandatário, Laura, já está ambientada no colégio em Brasília. Além disso, três de seus filhos —o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Jair Renan—moram na capital.

Diferentemente da maioria dos parlamentares, que ficam em Brasília apenas em dias de semana, eles costumam permanecer na cidade aos finais de semana.

Apesar de ser vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro também morou em Brasília por boa parte deste ano. Ele tirou licença da Câmara Municipal para ajudar o pai na campanha. A primeira-dama Michelle Bolsonaro e sua família são do Distrito Federal. Ela também pretende seguir na capital.

Além das questões familiares, interlocutores já defendiam que Bolsonaro ficasse em Brasília para tentar se manter como principal líder da direita no país.

Com esse objetivo, aliados de Bolsonaro passaram a visitar casas em condomínios para servir de residência ao chefe do Executivo quando ele deixar o Planalto. Uma das preocupações é com a segurança. Há ainda um temor de protestos em frente ao imóvel escolhido para abrigar Bolsonaro no próximo ano.

O martelo ainda não está batido, mas o local mais provável é uma casa no Jardim Botânico, região que fica a cerca de 20 km da Esplanada dos Ministérios. No mesmo local mora o ministro da Justiça, Anderson Torres.

A ideia é que Bolsonaro fique perto do Congresso Nacional e possa manter reuniões com frequência com parlamentares que estarão na linha de frente da oposição a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além disso, o plano do PL é que o presidente ajude nas articulações para a eleição municipal de 2024. Na análise de líderes da legenda, o presidente será fundamental para o partido ampliar o número de prefeitos e vereadores, fortalecendo sua base para 2026.

O mandatário terá ainda um gabinete em uma sala ao lado da sede nacional do partido, em Brasília. O local já está alugado e também deve ter um ambiente para a primeira-dama. As reformas ainda não começaram para receber a família no próximo ano.

Bolsonaro tem evitado falar com aliados se pretende disputar novamente a Presidência no próximo pleito nacional. Pessoas próximas, no entanto, acham improvável que ele saia totalmente de cena e não trabalhe para voltar ao poder.

Eles apostam que Lula enfrentará uma oposição muito mais dura do que nos seus dois primeiros mandatos e que o petista poderá chegar desgastado em 2026. Além disso, a avaliação é que dificilmente surgirá uma liderança no campo conservador com a mesma força que Bolsonaro.

Assim, o plano do PL é que Bolsonaro permaneça ativo nas articulações para se manter como grande nome da direita e seguir com chances reais para a próxima eleição.

Apesar de estar recluso e de ter evitado declarações públicas após a vitória de Lula, interlocutores do presidente dizem acreditar que ele não se manterá em silêncio por muito mais tempo e que retomará o perfil verborrágico em 2023 para atacar o governo do PT.

Aliados já têm pressionado o presidente a iniciar as articulações de olho no próximo ano. Uma ala do PL quer, por exemplo, que Bolsonaro seja ativo na discussão sobre a PEC da Transição proposta por Lula.

O objetivo do projeto é garantir a Lula permissão para gastar acima do teto e cumprir promessas de campanha, entre elas a manutenção do Auxílio Brasil —que voltará a se chamar Bolsa Família— de R$ 600.

Bolsonaristas acusam o PT de não ter responsabilidade fiscal e afirmam que o montante requerido é muito superior ao necessário para pagar o benefício.

Fonte: Folha de São Paulo