Pela primeira vez, bombardeiros de Moscou e de Pequim usaram pistas um do outro

Manaus, AM - Uma nova patrulha conjunta da Rússia com a China causou alerta nos sistemas de defesa do Japão e da Coreia do Sul nesta quarta (30). Caças dos dois países foram colocados em alerta para evitar a invasão de seus espaços aéreos.

Foram usados no voo de oito horas oito aviões, dois bombardeiros chineses H-6K e dois russos Tu-95MS, ambos com capacidade de emprego de armas nucleares, e quatro caças russos de escolta Su-35S e Su-30SM.

Desde maio, Rússia e China retomaram as patrulhas conjuntas que haviam sido interrompidas pela Guerra da Ucrânia, iniciada em fevereiro. Os dois países formalizaram uma aliança política que, se não se configura como militar, tem esse componente em grande destaque.

Mais recentemente, sob pressão interna, Xi Jinping tem ensaiado uma aproximação com os EUA e tem feito comentários mais incisivos pelo fim da guerra, mas nunca criticou Vladimir Putin, seu aliado de primeira hora.
O russo, por sua vez, apoia o pleito chinês sobre a ilha autônoma de Taiwan, e criticou duramente os EUA quando a presidente da Câmara do país, Nancy Pelosi, visitou Taipei em agosto. Desde então, a movimentação militar e as incursões aéreas chinesas se multiplicaram em torno do território que considera seu.

Após o encontro entre os dois no Cazaquistão, em setembro, ambos inclusive decidiram incrementar a cooperação no setor de defesa. A China já utiliza bastante material bélico de origem russa, enquanto desenvolve sua própria indústria na área.

O H-6K, por exemplo, é uma versão modernizada do antigo bombardeiro estratégico soviético Tu-16. Ela tem sido aprimorada para ataques com mísseis de cruzeiro, além de armas nucleares. O mastodôntico quadrimotor turboélice Tu-95, por sua vez, compõe com o supersônico Tu-160 a espinha dorsal da força de bombardeiros nucleares de Moscou.

A interoperabilidade entre as forças tem crescido. A patrulha desta quarta foi a primeira em que os bombardeiros russos pousaram em pistas chinesas e os chineses, em russas. O mesmo havia acontecido em ambiente simulado em um grande exercício militar em setembro.

Bombardeiro furtivo B-2 volta de missão na Líbia para sua base no Missouri (EUA) Kenny Holston - 20.mar.2011/Força Aérea dos EUA via AFP/Kenny Holston - 20.mar.2014/Força Aérea dos EUA via AFPMAIS

A patrulha invadiu a Adiz (sigla inglesa para Zona de Identificação de Defesa Aérea) da Coreia do Sul. É uma fronteira virtual que Forças Aéreas de diversos países usam para obrigar a identificação de possíveis ameaças aéreas. No caso da sul-coreana, russos e chineses a ignoram.

Assim, Seul mobilizou um número incerto de caças e os colocou no ar para defender seu espaço aéreo, esse sim reconhecido internacionalmente, mas não foi preciso: a patrulha não chegou a se aproximar dele.

O mesmo ocorreu depois sobre o mar do Japão, com Tóquio enviando caças para eventual interceptação. O governo japonês tem aumentado sua retórica militarista, e anunciou nesta semana que irá dobrar o gasto com defesa em cinco anos, de olho principalmente no que percebe como ameaça da assertividade de Xi e da Coreia do Norte —adversária do Sul que é apoiada por Moscou e Pequim.

Há um histórico de tensões na região. Em 2019, numa das primeiras dessas patrulhas, caças sul-coreanos dispararam centenas de tiros de advertência quando o grupo russo-chinês se aproximou demais do espaço aéreo. Para um acidente ocorrer e levar a uma escalada indesejada, é um passo.

O Ministério da Defesa da Rússia negou que a ação desta quarta tivesse como objeto outros países. "É parte do arcabouço de provisões do Plano de Cooperação Militar de 2022, estritamente dentro da lei internacional", afirmou a pasta.

"Nossos militares despacharam caças para implementar medidas táticas em preparação para potenciais contingências", afirmou por sua vez o Estado-Maior da Coreia do Sul, em nota.

A patrulha ocorre dois dias antes de os Estados Unidos, principal aliado da Coreia do Sul e do Japão e antagonista da China na Guerra Fria 2.0, apresentarem pela primeira vez o seu novo bombardeiro estratégico, o B-21 Raider. Desenhado para substituir o modelo furtivo ao radar B-2 Spirit, ele será mostrado em solo, e só deve voar em testes em 2023.

Casos de interceptação se multiplicam

Defesa aérea Cerca de 20 países, como EUA, Rússia, China, Japão e Coreia do Sul têm Zonas de Identificação de Defesa Aérea

O que é?
Faixa além do espaço aéreo do país em que aviões estrangeiros são obrigados a se identificar

Por quê?
São zonas em regiões que potencialmente podem ser invadidas por inimigos, como rotas até alvos

O que acontece?
Se o avião não se identifica, ele é abordado por caças do país, que o acompanham até deixar a fronteira extraoficial

E se ele não se afastar?
Sem resposta de rádio ou sinalização do piloto, o caça dá tiros de advertência; depois, pode até derrubar o invasor, no limite.

Fonte: Folha de São Paulo