Compromisso de manutenção da política rígida contra a doença alimenta cenas de caos e miséria em todo o país

Porto Velho, RO - Faz pouco mais de uma semana desde que o líder chinês Xi Jinping começou seu terceiro mandato no poder com um endosso incansável de sua implacável política de Covid zero.

Mas o compromisso de mantê-la já está alimentando cenas de caos e miséria em todo o país.

Na cidade de Xining, no Noroeste, os moradores passaram a semana anterior implorando desesperadamente por comida enquanto sofriam com os mais recentes bloqueios rigorosos do país; a Oeste, em Lhasa, capital regional do Tibete, multidões enfurecidas protestam nas ruas após mais de 70 dias de ordens de ficar em casa.

Na província central de Henan, trabalhadores migrantes abandonaram em massa uma fábrica da Foxconn fechada, caminhando quilômetros para escapar de um surto no maior local de montagem de iPhones da China. E, no centro financeiro oriental de Xangai, as coisas estão sombrias mesmo na Disneylândia – o parque fechou abruptamente seus portões na segunda-feira (31) para cumprir as medidas de prevenção da Covid-19, prendendo os visitantes para testes obrigatórios.

Em muitas outras partes do país, bloqueios, quarentenas obrigatórias, normas incessantes de testes em massa e restrições de viagem continuam a prejudicar os negócios e a vida cotidiana, mesmo quando o resto do mundo supera a pandemia.

Zelo renovado

Em vez de relaxar as restrições da Covid – como alguns esperavam antes da remodelação quinquenal da liderança do Partido Comunista, as autoridades chinesas as aumentaram após o amplo endosso de Xi à estratégia.

“O 20º Congresso do Partido não forneceu um cronograma para se afastar da Covid zero. Em vez disso, destacou a importância de manter a abordagem existente”, disse Yanzhong Huang, membro sênior de saúde global do Conselho de Relações Exteriores em Nova York.

O congresso reforçou Xi como um líder supremo incomparável e o viu empilhar os altos escalões do Partido Comunista com aliados leais – incluindo aqueles que lealmente realizaram suas políticas de Covid.

“A nova ecologia política também forneceu mais incentivos para os governos locais imporem medidas mais draconianas de controle da Covid”, disse Huang.

Um renovado zelo pela política pode ser visto mais claramente nas cidades menores. Enquanto metrópoles como Pequim e Xangai podem aproveitar suas experiências de grandes surtos para implementar medidas de bloqueio mais direcionadas, cidades menores sem esse conhecimento tendem a buscar metas de Covid zero de maneira mais agressiva e extensa, disse Huang.
‘Simplesmente não está funcionando’

O ciclo repetitivo de bloqueios, quarentenas e testes em massa está afetando fortemente a economia e a sociedade. A paciência do público está se esgotando e as frustrações estão aumentando.

Na segunda-feira (31), na cidade de Baoding, província de Hebei, um pai empunhando uma faca passou por um posto de controle da Covid em uma tentativa desesperada de comprar leite em pó para seu filho. Imagens de vídeo da cena e sua prisão subsequente provocaram alvoroço online; no dia seguinte, a polícia local tentou acalmar os ânimos dizendo que o homem havia sido multado em apenas 100 yuans (US$ 13,75) e que o “problema do leite em pó” de seu filho havia sido “corretamente resolvido”.

Na terça-feira (1º), a morte de uma criança de 3 anos em Lanzhou, província de Gansu, provocou outro clamor, depois que a família da criança disse que as medidas de bloqueio atrasaram as equipes de emergência. A polícia disse mais tarde que a criança parou de respirar quando os policiais chegaram, mas não abordou as acusações da família de que uma ambulância estava atrasada. A CNN entrou em contato com as autoridades de Lanzhou para comentar.

Em outro sinal de quão sensível a questão se tornou, as ações chinesas subiram na quarta-feira (1º) após rumores não verificados nas redes sociais de que a China estava formando um comitê para preparar uma saída da política de Covid zero.

Esses rumores foram anulados, no entanto, quando o Ministério das Relações Exteriores disse que “desconhecia” qualquer plano desse tipo.

Enquanto isso, especialistas dizem não ver sinais de que o governo chinês tome medidas que sugiram que está repensando sua abordagem.

As autoridades de saúde chinesas afirmam que mudar de rumo agora arriscaria um grande aumento de infecções e mortes que poderiam sobrecarregar o frágil sistema de saúde do país.

Até agora, Pequim se recusou a aprovar o uso das vacinas de mRNA desenvolvidas nos países ocidentais, que se mostraram mais potentes do que as fabricadas e usadas na China. Especialistas dizem que a China também carece de um plano de resposta de emergência para lidar com infecções crescentes.

Mas Jin Dongyan, virologista da Universidade de Hong Kong, disse que esses cenários catastróficos podem ser evitados com a preparação adequada.

Em vez de gastar muito tempo e recursos em testes, rastreamento de contatos, quarentena e imposição de bloqueios, as autoridades devem introduzir vacinas e terapias antivirais mais eficazes e aumentar a taxa de vacinação entre os idosos, disse Jin.

Com o aumento da imunidade, casos assintomáticos ou leves podem se recuperar em casa – liberando espaço nos hospitais para tratar casos mais graves, disse ele.

“Usar medidas de bloqueio e contenção para lidar com uma doença infecciosa com uma taxa de mortalidade tão baixa e alta transmissibilidade não é mais apropriado. O mundo inteiro abandonou essa abordagem – ninguém pode suportar o custo, simplesmente não está funcionando”, disse ele.
Medo do vírus

Outro obstáculo para a mudança da política de Covid zero é um medo generalizado do vírus entre grandes faixas do público, instilado pelo governo chinês para justificar suas duras medidas de controle, dizem especialistas.

“As autoridades demonizaram a Covid, exagerando sua gravidade e taxa de mortalidade e falando sobre sintomas de Covid. Muitas pessoas ainda têm muito medo do vírus, com pacientes recuperados do Covid sofrendo severa discriminação e estigmatização”, disse Jin.

Foram em parte esses receios que levaram milhares de trabalhadores migrantes a fugir em pânico da fábrica da Foxconn em Zhengzhou, disse ele.

Vídeos de pessoas viajando a pé, arrastando suas malas pelas estradas e pelos campos, se tornaram virais nas mídias sociais chinesas no fim de semana. Zhengzhou, uma cidade de 12 milhões de habitantes, impôs medidas abrangentes de bloqueio no mês passado depois de identificar dezenas de casos de Covid-19.

A instalação da Foxconn está correndo para controlar um surto desde meados de outubro, embora a empresa não tenha divulgado o número de infecções entre seus funcionários. Na quarta-feira, a Zona Econômica do Aeroporto de Zhengzhou, onde a fábrica da Foxconn está localizada, anunciou novas medidas de bloqueio.

À medida que o êxodo da Foxconn colocou o surto de Zhengzhou no centro das atenções, as autoridades de saúde da cidade tentaram acalmar os temores do público. Na segunda-feira, a comissão municipal de saúde de Zhengzhou publicou um artigo no WeChat com a manchete: “A Covid não é tão horrível, mas evitável e tratável”.

Huang, especialista do Conselho de Relações Exteriores, disse que equívocos sobre o vírus complicariam as coisas se a China, em algum momento, decidisse se afastar da Covid zero.

“Mesmo que no futuro a China queira mudar a narrativa e minimizar a gravidade da doença, algumas pessoas podem não aceitar a nova narrativa”, disse ele.

À medida que o inverno se aproxima no hemisfério Norte, especialistas alertam que a China pode ser atingida por uma nova onda de infecções – e um novo ciclo de bloqueios draconianos.

A China registrou 2.755 infecções locais na terça-feira, a maior contagem diária desde agosto.

“A julgar pela situação na China, haverá um grande surto mais cedo ou mais tarde. A China implementou esforços tremendos e pagou um alto custo para impedir que isso acontecesse, mas, no final, não será capaz de impedir que uma doença tão altamente infecciosa se espalhe”, disse Jin.

Fonte: CNN Brasil